domingo, 21 de maio de 2017

Segredos


Ele está ali sempre à disposição, às vezes um pouco mais alto, mais baixo, mais claro, mais achocolatado, mais rumoroso ou mais discreto, mas sempre recebendo quem dele se aproxima. Ele não altera sua feição mesmo que os seus adoradores o persigam com muitas selfies, com muitos chutes em suas espumas e também corajosos surfistas de todo o ano se embalando em suas ondas. Ele recebe todo mundo, no mesmo tom, e não deixa de lado sua imponência em nenhum caso. Às vezes se acalma para fazer companhia ao dia ensolarado e sem vento. Às vezes.

É o mar que recebe generosamente os segredos das pessoas que vão até ele derramar algumas palavras inaudíveis, afinal, sua extensão e profundidade são imensas e não lhe custa nada carregar para depois da arrebentação alguns segredos inconfessáveis, juras para um amor platônico, pressupostas brigas familiares, desencantos, promessas que não serão cumpridas e tudo o mais que pode ocorrer de fato, se por ventura o praieiro não for fazer sua consulta. O oceano com sua natureza grandiosa se torna um bom lugar para que se pense em voz alta os problemas, as tristezas ou as dúvidas que se afobam vez ou outra na vida.

É muito provável que a pessoa que aguarda uma orientação para suas preces receba algum sinal em resposta podendo ser uma água quente na beirinha em dia gelado, poucas e muito baixas ondas do dia parecendo murmurar alguns conselhos, o seu rugido pode também variar na entonação como se respondesse às perguntas que estão lhe sendo feitas. Mas, como todo confessionário tem que saber ouvir para depois interpretar.

A maré alta, que invade solenemente a extensão de areia pode ser uma tentativa de ajudar quem se aproxima dele nas dunas, que o avista de um lugar mais alto, que o mira em grande angular sem ter o atrevimento de chegar mais perto. Puro respeito. Então lá vem ele varrendo todo tipo de obstáculo beijar os pés de quem lhe teme voltando em seguida ao seu leito com outra bagagem que lhe foi sugerida nestes momentos mais nervosos. Em todos os dias esta atividade acontece, nos lugares mais povoados aos menos habitados, porque aqui quem ouve e depois responde é a natureza marítima.

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