domingo, 14 de maio de 2017

Minha mãe


É sempre o inesperado quem me acolhe ao lembrar-me de minha Mãe e quase sempre é algo que vejo em mim, o que não é difícil, uma vez que estou envelhecendo e meus traços vão tomando um contorno muito semelhante a ela, como uma condição atávica.

Ao andar pela casa vou tropeçando em quase tudo que lembra a casa dela, porque alguns objetos fizeram parte da minha vida toda. Além disso, o jeito de arrumar é muito parecido. Quase não possuo móveis modernos, meus enfeites são as porcelanas, pratarias e cristais que vieram desde a casa em que nasci passando pelas doações de tias e avós. A minha arrumação fica quase que sendo um santuário de lembranças e assim eu vou vivendo sempre de olho no que é belo, que tem tradição e que me conforta, comprovando que eu não preciso de nada.

Na aparência acontece quase a mesma coisa. Quando eu visto uma roupa colorida, que não é de minha preferência fica claro que fui empurrada para aquele figurino como se houvesse uma força maior. A mesma coisa acontece ao me olhar no espelho e ver em mim as rugas dela, o cabelo já está escasseando nas têmporas e branqueando no entorno do rosto, como assim foi com minha Mãe. Na manicure, as mãos que se estendem na vaidade são distintas na cor do esmalte, e então começo a perceber nossas diferenças.

Ao contrário de mim, ela era contida, não tinha o riso fácil e falava baixo, acho que era porque o seu interior de artista brilhante puxava o seu melhor para dentro, guardando elementos para poder dispô-los em suas artes manuais. Hoje eu sei que suas gargalhadas migraram no entrelaçamento das tapeçarias que tecia constantemente deixando um rastro dos seus sentimentos alegres e coloridos, pendurado nas paredes.

O brilho do seu olhar estava refletido nas mil miçangas com que bordou ponto a ponto meus vestidos de baile e suas alegrias ficaram enfurnadas nas longas luvas de cetim que compunha o traje que escondia meu braço magrelo e sem traquejo social, porém, minha mãe possuía glamour nato que assim me era conferido. Ainda escuto o rufar da máquina de costura que ela acelerava com os pés parecendo um trem antigo que ruidosamente lhe fazia companhia.

Não tenho o dom que minha mãe tinha para a costura e o bordado, mas gosto de pensar que a minha intimidade com a escrita e meu despudor em demonstrar o que me vai dentro da alma, costurando histórias através das letras, vem deste talento dela.  

4 comentários:

Nelson disse...

Como de costume, um belo texto. Feliz Dia das Mães!

Nelson disse...

Como de costume, um belo texto. Feliz Dia das Mães!

Capitani disse...

Lindo! LIndo! Lindo!

Sandra Goulart disse...

Lindo texto! Lendo enxerguei a tua mãe!!!
Lembrei da minha!!!

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...