sexta-feira, 26 de maio de 2017

Metade


Era apenas um dorso, mas achei que tinha muito a contar assim de pronto, numa passada de vista rápida, quando a imagem entrou na minha cabeça o que significa que depois do fato ocorrido, só sai dali em letras, que de preferência darão um significado à figura retratada com uma estória inverossímil muitas vezes, uma confissão, uma alegoria, uma fantasia, uma culpa. Pode ser tudo.

Apuro o olhar, como é meu feitio nos detalhes e já ouso imaginar que este dorso está se parecendo comigo, assim descarnado em suas entranhas, vicejando tantas alegorias de um lado, e de outro, certa serenidade e mais abaixo, na linha do cuore, um movimento que puxa pela graça, visto que parece haver um sorriso esburgado por ali. Acaba a leitura da figura e já vou me enxergando nas miudezas, nos recados ocultos e na narrativa assombrada que não aderna muito pelo contrário, se aninha na cachola como se necessitasse certo tempo para depurar o vulto insólito.

Poderia dizer que são dois fantasmas em um lombo apenas, um pedaço de gente e não o todo, uma parte que pelo jeito anda podendo ser sozinha, um espectro do corpo inteiro quem sabe, um recado para quem não lembra um alerta para quem lembra e não se manifesta.

Este ilustre que se apresenta tem em sua testa a marca de um ponto vermelho, que tanto pode ser sangue como pode ser um alvo caracterizado, e em sendo uma coisa ou outra sugere muitas ilações.

Analisando o lado mais intenso, com tantas imagens, pode parecer que a alvejada detonou um sangramento que desce apenas por um lado o que pode dimensionar que seja por ali que o passado está a se esvair, esmerilhando a face, colocando nela alguns adereços inusitados, descendo até o pescoço sendo acompanhando por um sorriso de caveira esgazeado. Porém, existe sempre aquele lado impávido que não se deixa contaminar, antiaderente e impermeável ao entorno.

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