Ao levantar-me pela manhã olhei-me no
espelho, coisa que nunca faço, para não precisar confirmar o que a noite de
anos para frente me trouxe, mas algo me chamou a atenção ao passar pelo
maldito. Tinha um reflexo de muitas cores, luzes em vários ângulos e uma
caricatura enfeitada com diversos acessórios que meus olhos demoraram um pouco
a perceber do que se tratava. Olhei com mais vagar e dei-me conta que minha
estampa denunciava sentimentos que me abordaram neste nascer do sol. Todos
controversos, todos querendo gritar e dizer a que vieram todos me alertando,
todos exagerados e no fim, todos se engajando.
Encarando-me de frente vi refletida com surpresa
um tipo popular de anos de minha juventude, mas percebi que naqueles tempos eu
não tinha este perfil completo, apenas toques, um quê mais colorido, um deslize
ou outro na linguagem, um ou outro acessório que me denunciasse. No geral eu me
dava uma pinta de riponga, mas não no todo.
Esta denúncia do espelho levou-me a encarar
que um personagem completo acabara de nascer advindo de alguma memória
fragmentada de que os acontecimentos aqui no meu entorno nasceram na escuridão
da noite, resolveram me assombrar no alumbrar do dia e para me proteger
resultei nesta figura mítica, talvez para me fazer encarar o que anda por
outros caminhos ao meu lado sem que eu perceba.
Vai dai que achei por bem analisar o que a
figura que detém tantos acessórios em um rosto só pode configurar-se, alguns
deles, em denúncia, como de fato a historia o comprova. Senão vejamos. O olhar
se mostra anuviado por um matiz que não consegue mostrar ao mundo sua
verdadeira face parecendo que o propósito é enxergar o que lhe vem pela frente
em cores róseas e mais tranquilo para aceitar o que de escuro viceja por aí.
Nas orelhas outro desaviso, porque pesadas se
encontram de tantos badulaques, acho que por conta de deixar o fundo do ouvido
mouco para que não se ouça o alarido desta vivenda que reúne tantos em comum. Comuns
do espaço físico, mas jamais no modo de se comportar, diga-se de passagem.
Concentro-me agora na faixa que cinge a
fronte e me dá a impressão que ela ali se instalou como se fosse para segurar
todos os pensamentos fortuitos de reclamação, de abrir a boca para denunciar
que um canteiro de flores e temperos é sagrado, que o descanso à noite pede
silêncio e que, ao fim e ao cabo, apenas o bom senso pode se arvorar de razão.
A fumaça expelida da boca da riponga me pareceu ser apenas um desabafo em
tristeza profunda.
Um comentário:
"No geral eu me dava uma pinta de riponga..." adorei, acho que são os caracóis dos seus cabelos que sempre lhe deram um ar mais descolado. Final dos anos sessenta e a década de setenta foram sem dúvidas um marco no comportamento humano de um modo geral. Acho que somos privilegiados por testemunhar e viver toda a revolução que ocorreu dos setenta até os dias de hoje. Somos uma geração realmente especial, a partir de nós o mundo mudou.
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