sexta-feira, 14 de abril de 2017

A Paixão de Cristo


E assim ele ressurgiu com pompa e circunstância após tantos desprazeres, tanta vista do mal feito, tantos ataques a sua própria carne e, de quebra, a traição rodando as beiradas de sua vida peregrina. Se difícil foi a caminhada, imagina em que proporção se demonstra sua trilha final, eivada de desconversas, de amores e ódios se digladiando por todos os muros que na ocasião separavam o tudo e o todo.

Eis diante de Deus Pai um corpo com a carne dilacerada, com veios de sangue que lhe cegam o olhar, com uma magreza de causar dó e assim também os filamentos de tortura que não estancam enquanto vivo ele é. A fronte, que deveria simbolizar a ternura infinita pelos seres humanos se dilacera em mil veios rubros de tristeza, outros tantos canais de tortura que um tanto sem jeito vão se acomodando pelo rosto todo, só para lhe dar a feição correta do sofrimento, mas em nenhum momento se apartando dela. Por entre todas as feridas ele podia ver que sua missão estava cumprida e seu corpo oferecido em sacrifício é a paga pelos pecados da humanidade.

E como se assim não bastasse, o corpo que se esvaía da vida estava ladeado por dois seres que de algum modo não seguiram a cartilha que lhes foi oferecida, enquanto ainda havia salvação da alma. No entorno ecoava blasfêmias de todo o tipo, mas apenas um dos transgressores pendurados aproveitou a última oportunidade para a redenção, neste momento de partida.

Talvez houvesse nesta alma desviada algum conhecimento de quem era o pregador que instava à sua frente, concedendo-lhe a absolvição para poder então viver uma vida eterna, apesar de que o seu caminho para chegar até aqui, na cruz,  foi feito através de sofrimentos e enganos causados ao próximo.  Quem sabe este súbito arrependimento se esconde no mais recôndito espaço de sua mente, quando, ao invés de correr para ladroagem resolveu estancar o passo ao pé da montanha e ouvir as palavras do Peregrino que era seguido por milhares de fiéis. A semente foi plantada na alma do pecador, brotando no último instante para que o Filho de Deus fosse reconhecido e mais uma vez, em um último suspiro, buscasse a absolvição.

Este fim de caminho foi costurado com fios resistentes como a personalidade de Cristo que em sua passagem predestinada a salvar  a humanidade, ora permite que sua vida seja ceifada, embora prometendo que voltaria. E então, no terceiro dia após sua morte, vestido com brancas vestes e com todas as suas feridas cicatrizadas, ele rasga a atmosfera e sobe para se sentar a direita de Deus Pai. Aleluia.

Um comentário:

Capitani disse...

Comovente e lindo!

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