Fazia bem um tempinho que eu havia, de certa
forma, abandonado àquele local para poder renovar meus votos de vida boa em
outro lugar, quando por força da roda da existência, que insiste em trazer de
volta certas coisas, como uma maré revolta, voltei ao espaço. Desde o momento
em que se aprontou a necessidade de voltar, meus sentidos e principalmente meu
espirito, se agitou, meu coração bateu descompassado e as lembranças se
acotovelaram na minha cabeça, cada uma querendo ter prioridade na minha escolha
para parar um pouco o mundo e deixar-me levar.
Tudo estava igual tal qual deixei, e vê-lo
novamente vazio deu-me uma oportunidade de poder escutar quase tudo o que houve
durante tantos anos entre aquelas paredes. A saída havia sido com tal cara de
libertação para o novo que não deitei a visão para guardar nada, fechei a porta
rapidamente e lá me fui com meus trastes sem olhar para trás, sem fazer nenhuma
prece e principalmente sem pieguices. Fui e pronto. Está virada a chave. Com
duas voltas. Confirmei então que não havia mesmo precisão de fazer odes ao
abandono porque ao reentrar ali percebi que a alvenaria havia guardado com
delicadeza os traços da estória de anos e assim, ecoaram as conversas, os
risos, o choro, as expectativas, o ir e vir, os abraços, os carinhos e todos os
sons de época nos acantonados vãos do lugar. Meus olhos dançaram uma valsa
linda, acompanhada por um sorriso meu, de orelha a orelha.
Como um filme retro, assisti nitidamente a
jovem que eu era que galgava aqueles lances de escada como se voasse, que não
vivia olhando para frente nem para trás, mas sim para o dia, para saber se
haveria sol para me bronzear, para fazer o roteiro de quantas voltas teria que
dar no meu no dia para cumprir com o leva e traz maravilhoso de filho pequeno e
mais cem mil outras coisas que se tem que fazer quando se é jovem, porque o
amanhã está muito longe.
Percebi que nunca em tempo algum as paredes
se despojarão de todos os acontecimentos que aquela casa acolheu nesta linha do
tempo, muito pelo contrário, serão elas que sempre irão emanar as energias
positivas que nunca se deixaram esburacar por ocasiões mais obscuras. Não
importa com quais cores serão demarcados os pilares, como os móveis serão
distribuídos. O novo habitante se proverá do alto astral que o apartamento
reflete a partir da luz do sol e das historias incríveis que se sobrepõem e se
acomodam entre quatro paredes.
Um comentário:
Minha cara escritora, chorei de emoção ,tuas palavras servem para tantas vidas vividas .
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