terça-feira, 11 de abril de 2017

A dança


A saia rodada inspirava uma dança qualquer, um rodopiar desconexo, sem música, um vai e vem de passadas que, por demais gastas de arrastar chinelas, se descalçaram e agora viraram apenas pés nus, aproveitando qualquer chão, deixando entrever muito pouco do movimento que ajeita os pensamentos de liberdade, de colocar em polvorosa o corpo e tudo o mais que lhe habita.

No compasso, um ritmo silencioso e transparente que se entrega à natureza clamando para que venha fazer parte desta cena fortuita e cheia de mistérios, de enlaces bem costurados, de olhares fechados, de vestes roçagantes e peito aberto. No descampado, se realizam todas as cadências de uma terra solitária, sem o arroubo de carmines, com um céu em conluio com o alvoroço dos ventos e cores lúgubres que acolhem a dançarina que se arremete e chama para si a maestria da natureza a lhe fazer companhia.

A fronte se esconde desatenta do entorno e apenas a lógica do movimento acelera o tempo que se prevê casual na transparência da roda da saia de múltiplas camadas, antecedendo um levíssimo modo de baile.

A natureza, cheia de personalidade agreste, emoldura a cena, meneando com finura os tules, os brocados, os laços de fita agitando demais o figurino, que sutil conspira para jazer em roda velada a cabeleira, que encobre o rosto silente que ali se encontra apenas para se transformar em acompanhante do modelito franjado que lhe espreme a cintura.

É nesta hora que a dança interna acontece. As ideias rodopiam e se acumulam uma sobre a outra em delicadas camadas de assunto, tendo como moldura o cenário que exibe uma palheta de cores criada para não distrair.

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