domingo, 4 de setembro de 2016

Primeira vez


Dei-me conta que ando sentindo um gosto de novo ritmo quase a todo o momento, todo dia, toda semana, o que me eleva o pensamento a imaginar que no nosso dia a dia sempre tem uma experiência nova e que, atrapalhados em passar para a próxima etapa, nem percebemos. Aliás, eu não percebia.

A natureza é a primeira a nos mostrar que o dia nasce sempre diferente, com novas cores, outra temperatura, e nunca um dia é igual ao outro. O vento é, de longe, o mais sagaz porque cabe a ele movimentar as aguas, as sementes, as flores, sacudir com força tudo o que se passa em sua frente nos dias de fúria, ou, em dias de melhor humor, deixar a natureza acalmada e atenta ao vicejar de suas entranhas.

A rotina é um aspecto que tangencia a forma de enxergarmos as micro mudanças, e, sem percebê-las deveras, seguimos à outra pauta, que deverá nos deixar com um alivio na consciência, com a sensação de produtividade intensa – mesmo que assim não seja – porque a forma de lidar com tudo tem de ser mais aparente do que de forma conclusiva. E assim somos levados no roldão da objetividade como se uma massa disforme fizesse de nós apenas um elemento a mais.

Todas as manhãs, nossos rostos se iluminam com outras luzes, marcas novas surgem e outras desaparecem, nosso olhar por vezes acorda opaco e sem brilho parecendo que nossa alma barrenta naquele dia transborda por ali, sem que possamos impedir. Surpreende-nos como uma estreia amanhecermos com um olhar mais vazio, reparando nele como um dia malfadado, esquecendo então de tantas ocasiões em que o brilho inusitado nos empurrou para fora, sequiosos das novidades.

Agora, consigo ver tantas coisas que se descortinam com suavidade diante de mim. O nascer do sol com nuvens purpúreas  está sempre na minha janela, desde o momento em que começa a brilhar, e, desta forma sou abençoada pelos seus raios cálidos já nas minhas primitivas horas. Da mesma forma, a iniciada paisagem em que deito meu olhar é sempre o mar, que toda a manha me distrai na análise compulsiva de suas cores, suas ondas, suas espumas, sua raiva, sua calma, sua sujeira que vem do fundo revoltado ou sua alma transparente, como se neste dia lhe aprouvesse ser superficial, por pura teimosia.

O tempo vai evolando um aroma de mistério na balbúrdia dos pássaros, na corrida da matilha endiabrada, no relincho do cavalo embretado que soa alto na minha passagem. É a primeira vez que fico velha, e, aparentemente, neste alvorecer da marcha que se encurta sem prescrição, ando dando-me conta de tantos e múltiplos detalhes de tudo. 

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