Dei-me conta que ando sentindo um gosto de
novo ritmo quase a todo o momento, todo dia,
toda semana, o que me eleva o pensamento a imaginar que no nosso dia a dia
sempre tem uma experiência nova e que, atrapalhados em passar para a próxima etapa,
nem percebemos. Aliás, eu não percebia.
A natureza é a primeira a nos mostrar que o
dia nasce sempre diferente, com novas cores, outra temperatura, e nunca um dia
é igual ao outro. O vento é, de longe, o mais sagaz porque cabe a ele
movimentar as aguas, as sementes, as flores, sacudir com força tudo o que se
passa em sua frente nos dias de fúria, ou, em dias de melhor humor, deixar a
natureza acalmada e atenta ao vicejar de suas entranhas.
A rotina é um aspecto que tangencia a forma
de enxergarmos as micro mudanças, e, sem percebê-las deveras, seguimos à outra
pauta, que deverá nos deixar com um alivio na consciência, com a sensação de
produtividade intensa – mesmo que assim não seja – porque a forma de lidar com
tudo tem de ser mais aparente do que de forma conclusiva. E assim somos levados
no roldão da objetividade como se uma massa disforme fizesse de nós apenas um
elemento a mais.
Todas as manhãs, nossos rostos se iluminam
com outras luzes, marcas novas surgem e outras desaparecem, nosso olhar por
vezes acorda opaco e sem brilho parecendo que nossa alma barrenta naquele dia
transborda por ali, sem que possamos impedir. Surpreende-nos como uma estreia
amanhecermos com um olhar mais vazio, reparando nele como um dia malfadado, esquecendo
então de tantas ocasiões em que o brilho inusitado nos empurrou para fora,
sequiosos das novidades.
Agora, consigo ver tantas coisas que se
descortinam com suavidade diante de mim. O
nascer do sol com nuvens purpúreas está
sempre na minha janela, desde o momento em que começa a brilhar, e, desta forma
sou abençoada pelos seus raios cálidos já nas minhas primitivas horas. Da mesma forma, a iniciada paisagem em que
deito meu olhar é sempre o mar, que toda a manha me distrai na análise
compulsiva de suas cores, suas ondas, suas espumas, sua raiva, sua calma, sua
sujeira que vem do fundo revoltado ou sua alma transparente, como se neste dia
lhe aprouvesse ser superficial, por pura teimosia.
O tempo vai evolando um aroma de mistério na
balbúrdia dos pássaros, na corrida da matilha endiabrada, no relincho do cavalo
embretado que soa alto na minha passagem. É a primeira vez que fico velha, e,
aparentemente, neste alvorecer da marcha que se encurta sem prescrição, ando
dando-me conta de tantos e múltiplos detalhes de tudo.
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