quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Casinha de praia


Aquele caminhão surgiu do nada na janela em que costumo me postar para ver o dia acender seu fogo matinal, vindo agora bem rápido para o meu lado, brincando de esconde-esconde com algumas árvores que ali estão bem na minha frente. Da janela, espichei o pescoço para a passarinhada que conversava animada, tal marocas combinando as estripulias do dia, tenho certeza. Surpreendi-me, pois o tal caminhão trazia em seu dorso espetacular uma casa de madeira que resfolegava em rangidos de um lado a outro, parecendo que poderia desabar em mil pedaços, se espatifar no chão ou as duas coisas combinadas, tal o sacolejo.

Não pude deixar de sorrir ao ver tal cena e mais surpresa ao constatar que o caminhão enveredava para a beira da praia e lá se foi por uma trilha tão angulosa quanto a cena. Fiquei pensando em que lugar do mundo esta casinha iria parar, o que pensavam seus moradores ao enviar por tão frágil transporte uma moradia nova, que merecia ser colocada em um terreno com o melhor ângulo solar e assim ter fincados bem firmes no chão, seus alicerces. Estas estacas comprovariam que o abrigo foi construído com todo prumo  para resistir aos arrestos do vento, as brigas familiares, a fumaça do fogão, ao sol causticante e as chuvas torrenciais. Ele deveria estar preparado para tudo isso, pensava.

Mas depois, refleti que poderia haver outra opção para o meu divagar. Vai ver que foi construída em cima do inusitado transporte justamente para não ter fundações, conseguindo desta maneira aprofundar um caráter itinerante. Talvez não lhe aprouvesse assentar seu piso com afinco porque em determinadas temporadas seria por demais pretencioso desejar ficar. Tanto por querer, como por não poder. Simplesmente.

Com a imagem ainda na retina percebi que a fragilidade da cena tinha tudo a ver com o desejo de pousar com suavidade no solo, como se tivesse receio de feri-lo, de não apertar muito suas paredes para poder deixar entrar a brisa marinha que por vocação iria enfunar as cortinas. Não fazer junta forte nos cantos para que ali possam se abrigar reluzentes caracóis vindos da ressaca marítima, muito bem combinados com a sutil presença de minúsculos pontos de areia fina que se abrigam por um momento das ventanias. Deixar as portas mal assentadas para que por elas passe a luz em dias ensolarados, possuir janelas sem tramela para que se abram e fechem ao sabor do horário que a natureza dita. A vida é assim, aparece sempre cambaleando e nos dando alternativas.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...