quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Escuta


Passo por ela todos os dias e sempre um abano, um sorriso e uma frase acompanha este breve encontro. Uma nos pedais da bike e outra nas pegadas do asfalto. As frases são sempre as mesmas até que um dia ela me perguntou “será que vai chover?”, tive que rir porque esta intervenção me levou para outro lado, quando se está diante de pessoa ou pessoas em que o assunto falta, então a célebre frase sai de supetão, porque, por qualquer motivo, o silêncio fica insuportável. Talvez tenha sido esta intenção da minha amiga de passagem, que, pega de surpresa sem a frase peculiar na ponta da língua lhe veio à cabeça esta pergunta. Mas, acredito que palavras soltas ao vento e sem muita conexão são pura alegria para quem fica variando o tempo todo entre falar e aquietar.

Prefiro pensar que um silêncio constrangedor vem sempre em boa hora para podermos olhar em volta e fazer perguntas mudas no anseio de que nunca serão respondidas. Fechar a boca para não aventar a obviedade mundana, dirigir o vocábulo ao universo que tudo acolhe, mas também separa. Treinar o ouvido para o que vale a pena, refazer os caminhos da conversa pobre que parece surgir para alertar o clamor do fundo da mente. Qualificar o que é raro, espontâneo e tímido.

Pensamentos em desordem floreiam um cabedal de informações e acabam surgindo intempestivamente na oralidade solitária que se coloca hoje por onde se anda. Não há mais espaço para calar a enxurrada que se debate internamente em conexões de muitos megas, captando significados e desfazendo sentidos.

Uma mente aquietada, talvez um pouco lúgubre, dá sentido ao pueril, ao inefável e de pouco alcance, por parecer não ter acuidade de se importar com o que parece ser irrelevante. Para muitos não é factível escutar seus próprios pensamentos se jogando de qualquer forma em colóquios míseros em que até o tom de voz se desintegra, solapando a oportunidade de ser importante em uma vã retórica que sacrifica a oralidade.

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