quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Fantasmas


Eram muitos por ali, muitos mais do que se podia contar ou imaginar. Nem em sonhos, ou talvez, sim. Aquele espaço de tempo recém havia dado seus primeiros passos e já demonstrava certo fraquejar e o primeiro sinal não foi nenhum plim, mas o contraponto do coração que já havia se aquietado, andava meio solto, folgado, zombando a toa, num batibum gostoso, mas, de repente, fechou-se em copas e se preparou. A alma em recuperação seguiu o compasso do adjunto e amornou quieta.

E foi assim nesta rebatida que foram aparecendo um a um em fileira ergométrica e alinhada, todos os pontos sedentos por serem liquidados, por assim dizer. O reclame era a demora de se pronunciar, de se fazer entender na lonjura do caos, no bem bom do silêncio, na perfeita percepção do eu solitário. Parecia uma nobre sessão de revoltados querendo um lugar no espaço recém-conquistado e negociavam, aparentemente, uma licença prêmio, um auxílio-doença ou alternativa sórdida. Uma revanche de tantos contra nenhum. Aparentemente chegaram todos de uma só vez a gritar, sem respeitar horas cabíveis, simplesmente se achegando e iniciando a demandada confusão.

O primeiro carregava um saco vazio e era com muita tristeza que buscava algum conteúdo ali dentro e não encontrava. Abanava a cabeça desolado, olhava para os lados em busca de algo, se voltava para frente e para trás como que examinando se havia perdido alguma coisa. O alforje pendia-lhe do braço sem vida e assim ficou até que foi abandonado na via escura, como se naquele saco não coubesse mais nada. A cena em perspectiva poderia ser de um descarte comum e sem serventia, porém, olhando bem, se percebe que o que sumiu da vista do enjeitado eram as situações postadas do avesso e que se dissiparam porque o arrasto não fazia mais sentido.

O segundo estava ainda mais encanzinado e não tinha nada nas mãos, as pernas finas cambaleantes se perdiam por entre o populacho sem conseguir encontrar quem lhe desse um apoio, ou sequer lhe pusesse os olhos. O traste parecia uma vara fina, um caniço velho, carcomido e vergado sobre si deixando à mostra os nódulos encalacrados e os fiapos que se rompiam ao menor encosto de mão. Do nada sumiu do alvoroço dando a pinta de que desta feita se fora para sempre um ou muitos dos seus algozes.


O terceiro apareceu cheio de marra margeando a propensão para ser voraz espreitando na reserva com intuito de dar seu ar da graça. Seguia firme por entre os poucos que restaram porque achava ele que desta feita estaria tudo dominado.  Achava-se insuspeito e com seu perfil dominador entrou de sola no encontro inusitado fazendo um perfil enganador como era sempre do seu feitio. Mas, o pobre não contava naquele momento que a área estava limpa, que não restava um vivente sequer para que ele pudesse alardear sua empáfia. Assim, como os outros, sua imagem se liquefez no ar como se nunca nada tivesse ocorrido naquela noitada.  

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