sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pacote


Até agora não fui feliz nos pacotes que a vida me entregou este ano, mesmo que eu tenha me esforçado em enxergar de fato o que me aparecia com bons olhos. Aceitei tudo o que veio na maior paz e fui deslindando com certa curiosidade, mesmo antevendo que a estória já começava de lado. O que seria da gente se refutasse tudo o que passa pela frente. Há que se deitar o olhar, andar um pouco junto e depois, lá na frente, rumar para outro caminho se assim melhor convier ou aparentar. 

Vai daí que recebi um inusitado embrulho com generosas camadas de papel e papelão o que me deixou curiosa em seu conteúdo. Fiquei ali parada, olhando. Não esperava por uma situação tão concreta e apesar de imaginar o conteúdo fiquei temerosa em abrir, mas me enchi de coragem e o resgatei. 

Fui retirando as tantas camadas do invólucro até chegar ao meu velho livro e revistas que havia emprestado, já nem lembro para quem, e também não pude descobrir uma vez que a encomenda chegou sem remetente, um fato curioso que me levou a pensar que alguém se acovardou na linha de chegada. Portanto, fiquei no ar imaginando em que lugares meus pertences andaram, em que mãos se assentaram, quais olhares recebeu e em que colos repousaram. 

Com sofreguidão e muito amor abracei o livrão fortemente contra o peito – um dos meus preferidos – e me pus a folhear as páginas já amareladas. De soco percebi que havia um cheiro peculiar rescendendo daquelas páginas, mais adiante me caiu aos pés uma pétala de rosa muito vermelha desidratada porém com seu perfume original, em uma das viradas havia num cantinho o papel enrugado que talvez tivesse recebido algumas lágrimas salgadas de paixão e bem no finalzinho, um ramo de arruda, muito amarelo, como um coração decepcionado. Desencorajei de folhear as revistas uma vez que estas já foram marcadas por dentro e por fora com minha opinião. Eu não queria me confundir. 

Com muita delicadeza abri o espaço na prateleira a qual o livro pertencia e o empurrei suavemente ao encontro dos seus pares. Agora vou esperar um período e ver o pó se instalar com suavidade pelas lombadas e daqui um tempo descobrirei se aquelas mensagens românticas foram apenas um desejo meu ou se as páginas voltaram desnudas de sentimento.

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