Abri o congelador no final de tarde e me deparei com um tanto de gelo em bloquinhos, um grudado no outro, e não me veio à lembrança porque eles ali vieram parar. Retirei-os imediatamente para enxergar através da massa gélida e transparente os acontecimentos que assim, de improviso, não conseguia lembrar.
Puxei o cordão do sol a pino e dias quentes quando a ordem era não ter nada dentro da cabeça, apenas o ócio, a rede, a folga e o descaso com as coisas mais práticas. Nada de complicações no dia e os ditos gelados estavam ali para demonstrar que era chegada à hora de celebrar, de misturar a bebida com água, tornando mais suave algumas, mais fria as que tinham outra densidade e outras o renegando, como se sua presença no copo fosse uma heresia.
Enquanto o bolo de gelo descongelava lentamente na pia da cozinha percebi que nele havia certa dor em se esvair e fiquei com um pouco de dó de deixá-lo ir. Mas havia pressa em mim de abrir aquele espaço na geladeira e tive então que arcar com a missão inglória de ver derreter o futuro. Quem sabe o que aconteceria com esse depois.
Os reflexos da esfera enregelada
retratavam a ajuda dela quando me arrefeceu o inchaço do machucado, amenizou
minha febre, deixou a bebida quente bem gelada alegrou o convescote cheio de
falas aleatórias que se estendiam ao longo da tarde sem nenhuma pressa de
findar. Muitas vezes o gelo se liquefez no balde, esquecido pela animada turma.
Tenho certeza que ele se esvaiu feliz, escutando os últimos acordes do
falatório.
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