domingo, 11 de maio de 2014

Minha mãe


É sempre o inesperado quem me acolhe ao lembrar-me de minha mãe e quase sempre é algo que vejo em mim, o que não é difícil agora que estou envelhecendo e tomando os traços dela como uma condição atávica.  

Ao passear o olhar no entorno de minha casa vou tropeçando em quase tudo que me lembra a casa dela porque algumas coisas fizeram parte da minha vida toda. Mudam de lugar, mas carregam em si o espírito muito vivo que se perpetua nas lembranças. 

Quando eu visto uma roupa colorida, que não é de minha preferência, fica claro que fui empurrada para aquele figurino como se houvesse uma força maior e a mesma coisa acontece ao me olhar no espelho e ver em mim as rugas dela, o cabelo já está escasseando nas têmporas e branqueando no entorno do rosto, como assim aconteceu em minha mãe. Na manicure as mãos que se estendem na vaidade são distintas na cor do esmalte, e então começo a perceber nossas diferenças. 

Ao contrário de mim, ela era contida, não tinha o riso fácil e falava baixo, acho que era porque o seu interior de artista brilhante puxava o seu melhor para dentro, guardando elementos para poder dispô-los em suas artes manuais. Hoje eu sei que suas gargalhadas migraram no entrelaçamento das tapeçarias que tecia constantemente deixando um rastro dos seus sentimentos alegres e coloridos, pendurado nas paredes.  

O brilho do seu olhar estava refletido nas mil miçangas com que bordou ponto a ponto meus vestidos de baile e suas alegrias ficaram enfurnadas nas longas luvas de cetim que compunha o traje. Estas escondiam meu braço magrelo e sem traquejo social, porém, minha mãe possuía glamour nato que assim me era conferido. Ainda escuto o rufar da máquina de costura que ela acelerava com os pés parecendo um trem antigo que ruidosamente lhe fazia companhia. 

Não tenho o dom que minha mãe tinha para a costura e o bordado, mas gosto de pensar que a minha intimidade com a escrita e meu despudor em demonstrar o que me vai dentro da alma, costurando histórias através das letras, vem deste talento dela.  

Um comentário:

Unknown disse...

Lindo Vera Lucia,não conheci tua mãe, a ti sim conheci nos idos dos anos 70.Feliz em te encontrar. Naida Gomes.

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