É sempre o inesperado quem me
acolhe ao lembrar-me de minha mãe e quase sempre é algo que vejo em mim, o que
não é difícil agora que estou envelhecendo e tomando os traços dela como uma condição
atávica.
Ao passear o olhar no
entorno de minha casa vou tropeçando em quase tudo que me lembra a casa dela
porque algumas coisas fizeram parte da minha vida toda. Mudam de lugar, mas
carregam em si o espírito muito vivo que se perpetua nas lembranças.
Quando eu visto uma roupa
colorida, que não é de minha preferência, fica claro que fui empurrada para
aquele figurino como se houvesse uma força maior e a mesma coisa acontece ao me
olhar no espelho e ver em mim as rugas dela, o cabelo já está escasseando nas
têmporas e branqueando no entorno do rosto, como assim aconteceu em minha mãe.
Na manicure as mãos que se estendem na vaidade são distintas na cor do esmalte,
e então começo a perceber nossas diferenças.
Ao contrário de mim, ela era
contida, não tinha o riso fácil e falava baixo, acho que era porque o seu
interior de artista brilhante puxava o seu melhor para dentro, guardando elementos
para poder dispô-los em suas artes manuais. Hoje eu sei que suas gargalhadas
migraram no entrelaçamento das tapeçarias que tecia constantemente deixando um
rastro dos seus sentimentos alegres e coloridos, pendurado nas paredes.
O brilho do seu olhar estava
refletido nas mil miçangas com que bordou ponto a ponto meus vestidos de baile
e suas alegrias ficaram enfurnadas nas longas luvas de cetim que compunha o
traje. Estas escondiam meu braço magrelo e sem traquejo social, porém, minha mãe
possuía glamour nato que assim me era conferido. Ainda escuto o rufar da máquina
de costura que ela acelerava com os pés parecendo um trem antigo que
ruidosamente lhe fazia companhia.
Não tenho o dom que minha mãe
tinha para a costura e o bordado, mas gosto de pensar que a minha intimidade
com a escrita e meu despudor em demonstrar o que me vai dentro da alma,
costurando histórias através das letras, vem deste talento dela.
Um comentário:
Lindo Vera Lucia,não conheci tua mãe, a ti sim conheci nos idos dos anos 70.Feliz em te encontrar. Naida Gomes.
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