O sol se punha dando adeus às formas, enegrecendo
paulatinamente toda a paisagem e assim eu também fui me entregando à noite, me
despindo da energia do dia e incorporando com sofreguidão esta etapa misteriosa.
A noite se apresenta com surpresa a mim, talvez porque eu a anseie muito e quem
me bate continência sutil é a calma, um verdadeiro acinte indecoroso
acompanhado pela surda solidão que teima em se achegar, espaçosa e com muita
intimidade.
Nesta tarde, porém, foi diferente e outra surpresa bateu à
minha porta dando folga ao meu costume e aos meus pensamentos. A oferta proveio
de generosas mãos que me agraciaram com um pão que tinha a cara de um dia que
termina. Fumegante e volumoso, a massa ainda morna se inclinava reverente ao
toque tornando emocionante a simplicidade da oferta. Ao fatiar pude entrever as
trilhas caprichosas fabricadas pela quentura do forno além dos desdobres
incertos dos circuitos muito bem arrumados pelo acaso na composição da
alquimia.
A alma da iguaria é o fermento que por sua vez dá vida ao
manuseio desta massa que recebeu de práticas mãos um amasso intenso. Fiquei a
imaginar que este alimento sendo doado desta forma só pode ter em sua receita a
habituidade do repartir me dando a certeza de que na feitura se intensificou o
pensamento, e no puxa-estica da massa crua no tabuleiro se estabeleceu a perfeita
sintonia entre a quentura das mãos e a mistura de especiarias.
Sempre presente, os aromas caseiros vieram se misturar à
peculiar maresia que nesta tarde de ventos parados intensifica o ambiente e
traz o milagre da multiplicação. Um pouco de descanso e de abandono e a peça
está pronta para entrar na fornalha e se transformar na moeda da vizinhança, um
nirvana do paladar acompanhado por uma simples e honrosa lembrança.