sábado, 23 de novembro de 2013

Segredo


Acordei naquele dia preparada em atender um chamado que eu não conseguia identificar. Foi quando me deparei frente ao entulho que me olhava ameaçador e impulsionada pela curiosidade vi-me inclinada a chafurdar em tudo o que se apresentava. Não foi fácil abrir os assuntos e separar com consciência o que – ou quem – presta ou não. Rodeei-me de lixeiras e porta-jóias imaginários para separar o joio do trigo.
Já na primeira leva saltaram da caixa de pandora risadas e correria o que me pareceu bem infantil porque só mesmo em criança temos a leveza e a ânsia de correr para todo lado com tanta energia. O tempo parecia brilhante e no ar calmo eu vi almoços nos jardins com toda a assistência de folhas e flores no entorno caindo ou ameaçando se desdobrar por cima de nós. A imagem se apagou rapidamente sem que eu pudesse lhe por as mãos. Acho que foi um devaneio e devo estar febril.

Ao invés de frio senti uma brisa cálida ao passar para a próxima leva que me aguardava serena e, graciosamente, me convidava a entrar. Gostei da recepção e foi ali que me deparei com as perdas enfileiradas uma a uma e todas muito resignadas com o futuro que lhes foi destinado. Também me dei conta que o sofrimento não fazia mais parte desta etapa porque com mais gentileza ainda fui acompanhada até a saída e se fechou aquele portal. Na minha garupa, risada de criança acompanhada por um olhar de azul transparente que me foi uma companhia breve, porém definitiva.
Agora o volume do assombro já havia se acalmado e restava um espaço enorme que aparentemente estava aferrolhado e dele eu tive muito medo. Circulei um pouco tentando imaginar quais segredos estariam tão bem guardados e tentei em voz alta fazer uma decifração do que poderia ser. Minha impressão foi de que ali se encontram os mal feitos de quem eu confiava, a ausência dos meus amores e amados e a completa ignorância de e sobre mim. Com certa agonia e um pouco cansada resolvi não abrir esta última fase e, assim cicatrizada, rumei para o desconhecido.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...