Sou ciclista e fundista, isto é, esportista amadora que faz longas
distâncias. Em minhas andanças pela Porto Alegre Rural, tenho muito tempo pra
pensar, muita paisagem para adentrar e muita idéia maluca pra trocar com
alguém, ou simplesmente para tê-las como fonte, pra qualquer coisa, até pra
escrever.
Depois de horas em estradinha de chão batido, o clima bucólico da paisagem
começa a me deixar leve – na realidade mais do que eu gostaria – risonha, sem
grandes motivos, neurônios esvoaçantes e o corpo todo se movimentando não
deixando nem um feixe de músculo de fora dessa dor, morro acima e abaixo.
O movimento rural tem um tempo de contar horas muito próprio e as feições
circulantes, parecem todas iguais, de uma tal masmorrice que é de assombrar. A
conversa dos peões é tão arrastada que se confunde com o zumbido de muitos
insetos da mata. O ritmo e a energia que ali pulsa com certeza é 220 wolts.
O filmezinho não pára e as pernas obedecem a cadência do esforço dobrado em
meio a buracos, areias e pedras. Velhos Chevetes inacreditáveis, ao passar,
levantam leve poeira que me envolve em fina camada vermelha, brilhando ao sol
de inverno que me olha de esguelha.
As rodas da bike com seu ruído característico, chiam, reclamam e rebolam na
terra fôfa, mas vão em frente. Meus pensamentos, bom, meus pensamentos não
existem mais. Apenas delírios envolvidos na endorfina, arquitetando sonhos
entre as taperas bem formadas do caminho, e outras, nem tanto.
Me dou conta, afinal, que não sei onde vai dar esta estrada. Entrei nela sem
querer, pensando em aventurar, em mudar a rotina. As taperas abandonadas
cobertas de hera, com seus telhados cheios de brotos de coloridas flores
silvestres se confundem com o campo de tanto tempo que ali estão. Acho que a
parada no tempo as fez se enterrarem ali para viver.
É um convite.