sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Segredo do mar

 


Tropecei no artefato e quase me fui ao chão rolando sobre ele, mas o que mais me chamou a atenção é que havia dentro da garrafa um bilhete e que, em um primeiro momento, parecia desenhado o meu nome em tão mal traçadas linhas. Resolvi investigar porque as surpresas vão se acumulando como bônus para quem olha a vida como um tempo que não precisa ser contado, apenas sentido e, de certo modo, tenho autorização para retratá-lo às minhas expensas.

Mesmo muito curiosa eu não tive coragem de abrir a garrafa porquê de fato o seu conteúdo poderia virar pó ao se contaminar com estas aragens de beira de praia, tão diferentes de um além-mar cuja origem me parece ser a do objeto. O oceano em suas profundezas seduz a todos que desejam dispor de suas águas revoltas como se fosse um guardador de segredos ou um túmulo que se fecha ao lhe ser confiada uma missiva.

Voltei a me concentrar no bilhete que a garrafa sem rotulo portava e que mostrava algumas frases antes de se arredondar em um minúsculo canudo para que assim ali coubesse. Sentei-me, agora mais tranquila, com a missão concedida pelo mar de recolher aquela carta que veio até mim como um símbolo de recado idílico ou de algum amor remoto.

Acometeu-me de pronto certo cerimonial na busca do conteúdo que poderia ser alcançado se exterminasse em mil pedacinhos a existência vitrificada que ora se apresentava. Aprofundei meu olhar pela enésima vez àquele bilhete aprisionado que mais parecia ser um recado do passado e ao dar-me conta desta possibilidade lembrei que quando fiz o salto, toda minha bagagem estava comigo, tanto as de preferência quanto as de nem tanto. Deste modo, devolvi ao mar o que não me pertencia e deste jeito afoito tenho a convicção que talvez eu tenha sido contaminada, em alguns segundos, pela ilusão da vida.

 

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