domingo, 1 de junho de 2025

O calor do inverno

 


Ao acordar tive que olhar duas vezes para a linda temperatura que cercava a minha casa, que me envolvia carinhosamente, que gelava meus ossos, que arrepiava meu cabelo, que orvalhava o caminho e a bancada onde descanso, não porque preciso, mas para poder organizar a mente que anda sempre aloprada por aí e, às vezes, ela precisa de uma correia bem forte para se aquietar. Como sou dominada pela palavra, antes dela vem o que dizer.

Me assento no banco de praça desta rua gelada que sorri para mim, me abana com uma brisa fresquinha e deliciosa demais, respinga meus cabelos com as últimas gotas de orvalho na beira do mar, afaga minhas mãos chamando o sol para participar deste encontro que apenas se inicia no calendário.  A luz quentinha do dia e o ar manso gelado combinaram de ser amigáveis porque eles sabem muito bem que o calor passado mora dentro de mim. É preciso expulsá-lo de maneira sutil e amorosa, uma vez que ele voltará, certamente, com sede de vingança.

A questão agora é como proceder, com gentileza, para retirar da retina aquele tempo abrasador, aquele sol inclemente que rasgava o céu e dominava absoluto durante as horas intermináveis do dia da estação fumegante.  O que servirá como fio condutor para tirá-lo de dentro das minhas entranhas, onde parece, mesmo hoje, instalado para nunca mais de mim desviar.

Vou acionar os fantasmas que assombram o verão e já estão a postos: um casaco pesado pendurado na entrada da casa, gorro, manta, bota forrada com lã de ovelha. Na cozinha, sopa no fogão a lenha, bolinho frito, chimarrão, chaleira chiando, pipoca, quentão, vinho tinto, cachaça com limão e um cartão postal do inverno na Europa. Estas armas sutis e zombeteiras farão o calor, internalizado, tomar chá de sumiço.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aqui, recém começado o calor, já tenho ganas de viver momentos como estes que descreveste. Adoro inverno!

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