terça-feira, 3 de junho de 2025

Menos mundo

 


Ao abrir os olhos percebi que alguma coisa estava acontecendo dentro de mim, era como se algo ou alguém estivesse me empurrando. A respiração estava retesada, o coração dava acordes dissonantes do normal. Ao levantar percebi minhas pernas estranhamente fortes e o frio acariciava meu corpo ainda quente da cama, brandamente. Um pouco depressa demais resolvi atender o chamado e praticamente me joguei aos quatro ventos na rua como se não houvesse nada mais a fazer ou, quiçá, eu, sonambulada estava enxergando alguma outra passagem logo ali.

Resolvi que este seria o dia em que iria espiar a vida, fazer um caminho diferente, desviar da trilha socada, encontrar novas casas, vislumbrar rostos desconexos, outros amores, intrigas sem fundamento, vizinhos diferentes, brigas fúteis, novas comemorações. Andava eu naquele dia atrás de um misto de vida.

Eu imaginava um dia comum, apenas mais um dia e assim resolvi que eu iria dar um pulinho na vila fazendo o percurso no busão da comunidade. Por ali, frente ao meu olhar surpreso, desfilou quem habita o res do chão, mãos calejadas no aperto de mão, oração na ponta da língua, abraços em aberto, gengivas descarnadas, rostos pregueados, passos em falso, bengalas mambembe.

A crueza do dia surgiu ao perceber que hoje fui apresentada ao transporte de todo mundo, talvez de menos mundo e certamente de nenhum mundo. Voltei para casa com o sorriso invertido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa tua história, vou compartilhar
Beijos obrigadão

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