Maria Cecilia andava sempre
com a cabeça nas alturas e tanto é verdade que além dos familiares, amigos e
professores abanavam a cabeça desolados porque o seu olhar perpassava através
do que ela estivesse olhando, parecendo haver um motivo sempre translúcido mais
interessante, mais colorido, mais bonito, logo, logo ali.
Quando a família saía e já se
aprontava para embarcar no carro, ao procurar a menina lá estava ela, de
pijama, na cozinha, tomando café preto com farinha de mandioca com a Babá. Seus
pais desistiam da companhia e seguiam seu rumo com alegre adeusinho de Maria Cecilia
que, impassível, passava a mão no seu livro de história se assentando
pedantemente na poltrona da sala de visita acompanhada pelo riso irônico da
empregada.
Por este motivo apelidaram a
menina de “sobrinha”, a menina que fica, que não quer ir, que é esquecida por
tantas faltas, que tem em sua cabeça a urgência de aproveitar os momentos do
silêncio e do vazio da casa ora desocupada e
adonar-se de todos os ambientes, de morar um pouco em cada um deles,
dormitar na cama grande, descansar na cadeira do papai, costurar em fio torto
seus retalhos, ocupar toda a mesa de refeições e ao fim do dia espraiar-se pelo
jardim afora porque, afinal, ali era seu mundo de fantasia e contemplação.
Aparentemente não existia espaço suficiente para Maria Cecilia viver.
Para ela, até então, não se
tratava de nenhuma ilusão ter seus olhos à frente uma vez que ia tragando de
todos os cantos o que houvesse escondido, cada fresta possuía suas teias de
aranha particular, armários jamais abertos guardavam o cheiro do pó e do
antigo, as portas continham por detrás de si segredos inconfessáveis, e o eco
do longo corredor gritava em altos brados a algazarra da casa assim como os
cochichos dos adultos pairava no ar.
Em o tempo passando o todo dia
foi se modificando, as idas e vindas mudaram, a cozinha mudou de lugar, o fogão
a lenha foi fechado, os armários perderam seu conteúdo e na casa havia apenas
um ressoar de sons antigos. Maria Cecilia ao rever este lugar sagrado depois de
tantos e tantos anos não conseguiu espichar o olhar além do vazio do tempo.
Baixou a cabeça e rumou ao jardim onde se perdeu no denso nevoeiro.
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