quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Um bilhete

O dia chora desesperado, ora com altos soluços, ora mansamente como que pedindo perdão pelo excesso, pela falta de cuidado do vento que açoita dia e noite as entranhas do lugar, que por ser próximo ao mar se encharca com mais pressa deixando para trás um rio de dúvida.

Uma profunda emoção tomou conta de mim e deste jeito mais intempestivo do que o normal sai a coletar pequenos bilhetes de cores variadas para poder compor um passo a passo do que anda acontecendo nas cercanias da minha alma que está sempre sôfrega de relatar ou delatar o que o universo anda conjurando ao meu redor, sempre tão expressivo em suas falas silenciosas e metafóricas me levando com ímpeto a confabular com tudo o que se apresenta.

Abri de par em par uma corda com os supostos recados caprichosamente um ao lado do outro, todos em branco. Esperava eu que abandonados a sua própria sorte, sem nenhuma missiva gravada os deixasse dispersos e distraídos a respeito do que eu poderia historiar neste dia perverso e de mau humor do tempo.

E assim expostos à minha mira comecei a tratar cada bilhete como um recado em separado para diferentes cores, assuntos, temas, lugares, tudo o que melhor representasse este meu momento em especial e justamente neste dia aguado.

A primeira frase me veio da cor laranja porque a nuance sempre remete ao nascer e por do sol neste meu quadrante, trazendo a boa noticia que no dia seguinte ao abrir os olhos ele estará lá, de novo e todo dia da mesma cor. Ao nascer e ao se pôr.

A cor ensombrecida e desmaiada remete ao vacilo da mente que ora se aquieta e se recolhe, ora se lamenta em branco sem saber nem porque, ora levita em ascensão ao céu puro e límpido fazendo uma viagem de repouso por seu sofrimento e dor do mundo refletida nas pequenas cartas, as vezes grafada, outras sem recado, muitas sem sentido.


 

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo! O dia a dia refletido nas doces palavras e nos mostra o quanto é importante refletir e aceitar o que a Vida nos oferece. Amei. Amélia Flores Vega

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...