quinta-feira, 13 de maio de 2021

Beijos, Lili

Entre patas de cachorro, pisadas humanas, areias corridas de vento e marcas de sabe-se lá o que ou de quem, encontrei este cartão de amor jogado ao léu provavelmente pelo signatário da missiva que em linhas tortas e mal feitas e uma linguagem mais errática ainda, expressou o seu amor. Mais adiante encontrei o envelope com a assinatura da remetente; “Beijos Lili”. Fiquei pensando em como esta missiva amorosa e de data bem anterior ao dia do achado veio parar ali. Sabe-se que a beira da praia no tempo da noite vira terra de ninguém e de tudo aparece e reaparece como devastação humana na manhã seguinte, assim como este cartão com impecável design colorido, lúdico e expressivo, neste caso de paixão ao sujeito incógnito. 

O dia amanheceu muito calmo e por este motivo aquela prece amorosa ainda ali se encontrava, largada pelo seu objeto e esquecida pelo seu autor, que talvez não a tenha remetido e por qualquer motivo largou ao vento da noite anterior para que o mar fizesse o trabalho de levar para longe aquele engano, aquele ato intempestivo declaratório que Lili poderia ter suspeitado que não teria a recepção ou a guarida no coração do moço. 

Ali estava o bilhete composto com o capricho da letra feminina jogado com tal maestria na areia da praia, com pisadas relutantes ao seu redor como se humanos e animais respeitassem aquela cartinha colorida, banhada pelo sol e a mercê de olhares curiosos na leitura do conteúdo. Quem sabe Lili o levava para onde ia e mostrava para quem quer que fosse de seus amigos e indagava sobre a dúvida da entrega ou não ao moço amado, mesmo que a data comemorada já fosse parte do passado. E assim a poesia e o mistério das areias praianas de inverno se instalam sutilmente.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...