sexta-feira, 20 de julho de 2018

As Dores de Um e Mais



Arruma-se com perfeição na beira do mar, amontoando-se com aprumo incrível que se percebe com espanto certa linearidade na composição desarrumada. Assim dispostas de modo meio torto direito, permanecem em harmonia de cores e formas contrariando a estética comum de arrumação. A disposição é perfeita em seu encaixe junto às areias e as águas do mar, deixando à mostra o arranjo perspicaz e sutil, pois enquanto umas se fecham em si mesmas, outras se expõem em escancaro e outras mais não se dão conta por completo do prumo a tomar. Fica um recado a céu aberto e acabo imaginando que bom seria que nossos sentimentos tivessem esta autonomia.

Eu gostaria de acomodar as minhas dores da alma - que não são poucas – de maneira que não houvesse cronologia porque assim elas não viriam me assombrar com determinada ordenação. Se estão misturadas fica mais difícil encontra-las e iniciar aquele rosário de lamentações de “ai ai ai meu Deus porque”. Desorganizados os eventos que minha alma carimbou me sinto mais volúvel e frívola deixando-os para trás. Afinal, vai dar muito trabalho analisar a cronologia desta traquitana.

Passado este assunto com jeito lúgubre de análise do espírito acabo não podendo me furtar das minhas dores do corpo, corpo esse que Deus me entregou para que dele cuidasse porque ele é o templo da minha alma. Porém, parece que fui surpreendida no meio do caminho - ou talvez um pouco além da várzea - pela intermitência do tempo, sujeito encanzinado em denegrir nossa imagem. Ele, o espelho e as fotografias de esqueleto andam sempre as voltas um com o outro apontando para uma progressão aritmética que me dá a impressão de que não compareci àquela aula. Este assunto vai andando de lado porque não há como se livrar do dito.

Por fim elas aparecem bem ao pé das ondas, ficam ali para serem respingadas de sol e água do mar, deixam-se levar por uma e outra maré que as mudou de lugar ou deixou-as de baixo para cima por puro capricho. As alegrias são assim, mudam de status e de lugar sem o menor constrangimento fazendo com leveza um intervalo.

sábado, 14 de julho de 2018

Um Mar Só Para Mim



Eu tenho a impressão que nasci assim, manchada de letras, coberta de frases que nem sempre tiveram vida própria e muito menos saíram por ai a vociferar verdades e mentiras, destas, de que tanto gosto de me arvorar. Parece que sempre estive iludida e mesmo quando não manchava os papéis com minhas ideias elas sobrevoavam como mariposas dentro da minha cabeça. Esta certeza de fantasia eu tenho até hoje. Tudo esta sempre em movimento para mim e com um norte bem definido, e assim, ficando em branco ou dispersando letras onde me der na telha, vou tentando tirar este vácuo que me assola.

A vida, que não dá paradinhas estratégicas para recuperar o fôlego vai passando por cima de todos os apontadores e sem muito controle vai se amigando com o clima, porque este, sim, dita a vida em estações, balbucia cantigas enganadoras e faz com que a natureza se ajoelhe aos seus pés como únicos mandantes. Queria eu estar ao pé de tantas ideias, de tantos fatos, de tanta alegoria do entorno. Quisera me embebedar de todo alfabeto de uma única vez para que assim tivesse a ressaca precavida de muitas historias na tela, no papel, na rede. Seja lá o que isso vai significar no futuro.

Queria para mim um mar. Não este que me passa na frente dia após dia zombando da minha ausência criativa, se esmerando em tramoias com ondas que se refestelam junto à orla vazia, brincando de ser grande, de estar sujo, de estar gelado ou morno, de arrefecer sua força só para zombar de quem por aqui não pode estar em tempos frios. Acalma-se e enfurece-se em todo momento, aproveitando que não há pressão para que fique nos conformes para veranistas.

O meu mar seria bem parecido na personalidade e no destino. A sua composição seria desigual, teria uma massa de letras, de fonemas, de adjetivos, de pronomes, de adjuntos, preposições, pontuação, acentuação, sinônimos, antônimos, siglas e nomes próprios almejando expressões de quilate duvidoso. O destino que eu proponho ao dito cujo é que me arremesse em ondas gigantes, todo o dia, letras de que preciso para sobreviver. Amém.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Vida digital



Não foi um dia qualquer este, no qual assoma ao recinto plácido de quem se recupera de dores – pode ser da alma ou nem tanto - com mensagens imprevisíveis adentrando sem permissão a vida digital, essa cachaça que não tem hora nem lugar para ser oferecida, sequer ficando corada pela invasão. Afinal, o passado se apresenta sempre em luz difusa, de fatos e lembranças.

Ali se configurou sem cuidado que havia uma história, para um, mal contada e de outro lado muito precisa de detalhes, de argumentos, sentimentos e desejos permeando as lembranças deixando no ar um perfume que poderia ser sentido como real. Para um. Não para outro.

Pode-se afirmar que o tempo passado em anos estava naquele momento levando um choque de saudosismo e tudo o que se soletrava parecia se tornar real no momento propicio, no dia morno, ensolarado e de preguiça do corpo. Só do corpo porque cabeças velhas pensam de trás para frente e de frente para trás com lucidez indômita.

Havia ali uma luta para recriar um idílio e fazê-lo novo em folha, buscando de qualquer maneira descrever os acontecidos, burilar suas imagens como novas, proporcionar uma chance de vida, buscar no desespero da lembrança uma esperança colocando em luz encontros, uns mais picantes e outros nem tanto passando por situações pueris e que de tão românticas – vistas hoje – se tornam quase incipientes de valor.

Não dá para relativizar a importância porque assoma à lembrança risadas apressadas, provocações juvenis parecendo uma medição de forças de corações apaixonados. Nesta circunstância havia o impasse de um e outro quando as forças traziam à tona irrelevâncias e outro as considerava de muita importância, gerando um clima de clara tentativa de revisão, mas de distintos modos. Provavelmente seja verdade que o esforço de buscar o que ficou para trás não tem futuro porque o mundo girou e a percepção torna impossível a volta.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...