Ando querendo interpretar tudo o que passa
pela frente com certa fome de entender, com certo deleite em chafurdar no
desconhecido sem ter vergonha do que poderá surgir. É assim quando nos dias de
hoje o trinado que me acorda todas as manhãs não é mais aquele berreiro
destemperado com dois ou três bicos querendo ser o que tem mais força. O sol
que vai alumiando com vagareza o mar e os arrulhos dos passarinhos estão em meio
tom, parecendo até que desejam um pouco de silêncio. Ouso interpretar que a
natureza, assim como os praianos de carteirinha estão sob a forte ilusão de que
se pode armazenar a tranquilidade, que se pode alimentar o desejo de ficar um
pouco mais escondido no meio da temporada de flores, que pode talvez atrasar o
relógio ou alterar as passadas do tempo inexorável.
Nas esquinas as conversas são quase boca a
boca, sem, no entanto, vazar que possa ser um cochicho ou uma maledicência. No
ar existe uma conspiração para que o tempo não ande, uma reza para que os
ventos não parem, uma oração à beira do mar para que se revolte e se achocolate
um pouquinho só, que os cômoros avancem sem trégua para tomar seu lugar de
origem.
Tento decifrar a lerdeza no varrer das calçadas,
a modorra da caminhada até a beira do mar com um arresto dos pés como se ali
fosse depositar um último pedido, uma prece para que tudo fique do jeito que
está.
Não me iludo com minha interpretação porque
sei que apenas pertencem à mim, ao meu propósito de escolher a vastidão da
terra como meu eterno pano de fundo, que minhas janelas jamais se abram para a
multidão, que minhas cortinas possam filtrar o que não desejo enxergar e que
finalmente, quando o verão chegar eu já tenha tido tempo para guardar em
pequenas caixas todas as recordações do outono, do inverno e da primavera que
me fizeram tanta companhia e que agora se recolhem para deixar entrar o tempo
quente em todos os sentidos.
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