O dia amanheceu como qualquer outro com o meu
corpo sentindo suas limitações habituais, com a minha cabeça querendo ficar
vazia, com o espaço aprumado em suas lembranças, mas era certo que algo havia
em mim com um tom diferente que, de cara, não consegui identificar. Nem queria,
é certo, ando cheia de viver olhando para dentro, escarafunchando meus
sentimentos e cada milímetro do que fiz, do que faço e do que vem pela frente a
fazer.
Parece mesmo uma sina que, ao mudar de ares,
que ao encher os pulmões com o vazio, que deslumbrar a vista em imensidões faça
um desarranjo na alma, desacomodando o passado e aí tenho que assistir o
desfile de antigas prioridades se apresentando travestidas de novas, mesmo
estas a quem eu já havia dado cabo de conservar muito bem guardadas.
Julguei necessário então colocar um basta neste
ferrolho sem proveito, neste momento que está acabando com as minhas propostas
de renovação. Vou encarar este acervo embolado e destrinchar o que
aparentemente quer me sufocar com tanta insistência. Parece-me que ando dando
um passo à frente e dois para trás como se fosse sugada por uma força maior,
por um aporte de causos que me trouxe até aqui, pelo mar de duvidas que
campeava minha juventude, pela dor das perdas, pela sublevação dos ganhos e
pela vontade férrea de não fazer sangrar a vida.
Neste momento eu recebi um sinal, um oi que
não era um cumprimento qualquer, uma saudação desconhecida que eu pudesse ignorar
ou uma reação desmedida com o proposito de me tirar do serio ou da zona de
conforto. Veio de longe, num tom soturno, acarinhada por um tímido desabafo e
com uma gentileza que me obrigou a relembrar.
Prestei atenção a esta memória enferrujada
que se abriu sem esforço na leitura, contando de certo modo tardio, um segredo
que pelo jeito virou pó no passado. E foi assim, arrevesado, que a mim chegou a
alternativa de ler nos bastidores um carinho, um amor e uma amizade que outrora
me haviam escapado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário