Fiquei com pena dele ali caído, enferrujado,
esburacado e sem proveito no seu propósito de vida que sempre foi navegar em
tantos mares quanto pudesse, levando dentro de si criaturas que não viviam sem
ele, que ali passavam seus dias de folguedo, que dormitavam na espreita dos
anzóis lançados, que varavam noites na vigília da safra que a estação prometia.
Jaz, assim, encostado, sem o embalo das ondas que o acolheram por um período
bem longo, se tem a certeza.
Dá para ver que seu casco, que navegou com
arrogância por tantas ondas, se encontra muito avariado, quase que totalmente
desfeito de sua feição inicial sugerindo que talvez ele tenha submergido em
algum tempo e ficado por lá, entre conchas, peixes grandes, pequenas e grandes
marés. Deixou-se carcomer com resignação, porque as avarias estão em todo o seu
volume e em alguns lugares mais que outros. Esburacam-se suas laterais talvez
por conta de uma força férrea de espécies de peixes que ali queriam se achegar
para verem nascer suas crias, fugir dos seus predadores e com certa paz o casco arruinado colaboraria para salvar suas
vidas. Mas, assim que sua missão no fundo do mar acabou achou-se com leveza
suficiente para voltar a ver a natureza em que nasceu.
Escolheu esta ponta de praia para ter, enfim,
sua estrutura totalmente desfeita perto da água e das rochas que de certo modo
o protegem, achando ele que nunca é tarde demais. Um escudo que não o deixa
voltar ao fundo porque agora está cumprindo com o seu destino, consentindo que
se fique à mostra o rastro do seu reinado, finalizando com sua proa e pompa
arreganhando seu fim com um leve sorriso. O tempo de vida
útil se esvaiu, mas surge agora um personagem na beira da praia que irá
suscitar muitas estórias sobre sua imobilidade arruinada, encantando velhos,
jovens e crianças.
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