sábado, 25 de março de 2017

Forja


Tudo começa com o antigo, com o tempo remoto dando as caras nesta atividade que tem como premissa muitas atenuantes, todas também limadas no ocorrido, qualidade rara em tempos em que materiais e sua produção final já nascem com hora certa de descarte, com uma sina fatídica de nem bem chegar ao destino e tudo o que lhe deve prender se afrouxa, se desfaz, se esfarela, se decompõe e o lixo fica sendo o principal destino.

A fundição já nasce imortal pelo motivo simplório de ter em seu cerne a missão de se ajuntar com tantos outros materiais, que formarão a alquimia escolhida a dedo pelo artista, ratificando assim a liga de juramento para que, agora, a partir da cabeça pensante que emerge do calor do fogo, se crie a peça resistente a todo tipo de ataque. Sua destruição não tem no horizonte uma data, mas sim um renascimento, porque na sua perdição por qualquer motivo  poderá voltar ao forno, à bigorna e então renascer com outro formato, outra precisão, outro contrato de vida. Se isto não ocorrer, deverá vagar pelos campos da vida de certo modo sem dono, ralando suas formas, mas jamais desistindo de ser.

A criação de um item dá seu primeiro sinal de vida em um molde que decide para o quê servirá o objeto e assim vem com uma descrição de sua serventia que somente o seu criador a conhecerá. Na labuta de tornar realidade o que imaginou se junte à fundição todos os fiapos de sonhos do seu mentor, se entrelacem suas dúvidas, seus medos e sua urgente expectativa para ver sua obra finalizada e entregue ao mercado, ou quem sabe a algum dono já destinado.

Não vale aqui falar da surra que as ligas sofrem para se tornarem peças importantes, objetos que irão incorporar todo o tipo de personalidade valendo ressaltar que nenhuma terá seu surgimento como sendo descartável, ou de menor sentido, ou ainda sem ter em si impressa uma alma, um santo, uma autoridade, um líder, uma feição. Os artefatos nascem com a liberdade de forma já impressa e o acabamento e a precisão dá luz aos seus maiores dons.

Assim as ligas de metais diferentes se unem através de um artesão que entende da alquimia do ferro, do fogo, da forja, do modelo e da liberdade de entrar em ação tantas marteladas quantas forem necessárias para que nasça desta resistência uma peça longeva, repleta de ferrolhos, aldravas, pregos e cravos que virão assim fortalecer o que a efemeridade tenta impedir.

4 comentários:

Ivanira Cardoso da Silva disse...

Perfeito!Amiga escritora!Parabéns,verdadeiro e construtivo.

Ivanira Cardoso da Silva disse...

Perfeito!Amiga escritora!Parabéns,verdadeiro e construtivo.

Capitani disse...

Nossa! Acho que esta crônica bem poderia se chamar: “ODE” ao Metal.
Estando minha atividade ligada a metalurgia, confesso que nunca li nem ouvi de pessoas ligadas ao nosso ramo, alguém descrever com tanta propriedade a alma da criação e produção de peças em metal. Vou imprimir e dar aos meus colegas de atividade uma cópia desta crônica. Tenho certeza que eles irão gostar muito, e se sentirão, como eu, profundamente homenageados por tão perspicaz cronista. Muito obrigado em nome dos “ferreiros” e galera da fundição. Nós somos os verdadeiros metal pesado “Heavy Metal”. Mais uma vez obrigado Vera Renner.

alessandro disse...

Com bons olhos, penso na obra do espanhol Velásquez , o seu quadro A forja de Vulcano.

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