Já fazia um tempo que o assunto não aparecia,
talvez porque o próprio esteja cansado de si mesmo e não quer andar por ai
carregado de contextos requentados, parecendo sempre querer ter uma sobrevida
naquele canto da memória. Em boa hora isso sucede porque acabou de certa forma
aquele jeito de guardar tudo para ver depois e assim vem o pingado de reflexões
empoeiradas e recorrentes que se enredam como novelo de lã em patas de gato.
O enfado então tomou conta daquele momento
tão crucial onde a única verdade que se apresentava era a retirada dos
imprestáveis capítulos rejeitados daquela cadeia. Parecia muito fácil, assim de
pronto, mas ledo engano, alcançar excessos calcinados pelo tempo e rotos de
tanta espera não se oferecia como uma opção mais fácil. Mas o dito assunto
resolvera que seria naquele dia que tudo teria de ter um ponto final. A
descoberta deste recanto repleto de histórias não vividas, mal contadas e até inventadas
era tarefa para experimentar o fio da navalha exercendo seu poderio implacável.
O cuidado agora era para se precaver de não
ressuscitar nenhum conto entrelaçado, que muito bem poderia estar ali
disfarçado para renascer na hora mais imprópria. Olhando agora com sangue nos
olhos para as possibilidades nefastas de mexer neste vespeiro e ver em restauro
os aborrecidos, era uma variante a ser considerada.
A moleira forrada de coisas antigas,
irrecuperáveis por terem seu destino acertado com tanta antecedência talvez
tenha sido varrida da memória recente por puro capricho amoroso, por ter focado
em outra coisa, por embotamento das emoções, por paralisar ao evento acontecido
e agora pode não resistir ao frescor do vento, as gotas da chuva, o ar da primavera,
o cheiro do mar e interpreta de outra forma este passado morto vivo.
Com muito jeito a navalha mutante de fio
intenso resolve mudar de lado e ao invés de cortar na raiz aqueles casos todos,
se anima em fazer justamente o contrário. Com leveza e pontaria certeira vai
desembaraçando os nós das historias, desenovelando cada assunto, separando o
que é de amor, o que é de briga o que é de descaso o que é de injustiça o que é
de tragédia.
E com novas cores e roupagens tem-se de volta
um velho amor que na verdade é novo, brigas antigas se descolam como brisa,
enganos renascem com sinceras desculpas, desencontros restauram possibilidades,
os filhos retornam, os mortos perdoam, os amigos acordam, os familiares se
reaproximam, o sono termina e a vida continua.
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