terça-feira, 4 de outubro de 2016

A rede


Olhei de longe o artefato e resolvi me aproximar, ele parecia estar ali justamente para que o enxergasse e jazia assim, no chão, em área bem extensa a bem da verdade e assim, aberto e espalhado com tanto primor me fez levar o olhar em volta para me certificar de quem estava por trás daquela instalação. Não vi ninguém, mas estranhei que o que poderia parecer lúdico de maneira nenhuma se aproximava disso. Não me importei e segui ali por perto.

Como não havia nenhum movimento no entorno, resolvi levantar uma ponta do que me parecia ser uma rede e me surpreendi porque a mesma levantou em toda sua extensão e flanou no ar, com sua teia rendada em fios fortes de corda, em magníficos losangos que pareciam tão simétricos que duvidei que fossem trançados por mãos humanas.

Surpresa, decidi puxar esta ponta e caminhar um pouco arrastando toda aquela extensão e qual não foi minha surpresa quando ela veio comigo, leve como uma pluma, porém, de tempos em tempos baixava até o chão e recolhia algo, com muita suavidade e delicadeza. E assim vinha fazendo este movimento constante. Como eu estava na ponta não conseguia perceber o que era. Somente que a rede continuava inflada, obedecia meu comando e agregava algo em suas entranhas tão bem delineadas.

Comecei a me sentir tão leve quanto a trama, mas também muito curiosa para saber o que ela enredava em seus fios nesta caminhada forçada que eu a levei a executar. E assim, estanquei a passada e ela me imitou se acomodando no solo. De certo modo agora ela tinha um aspecto diferente do inicio da jornada, já não estava transparente e impecável em seu trançado, e, por entre os fios harmoniosamente enredados eu percebia algumas sombras que assim de longe não se mostravam por inteiro.

Fui obrigada a me aproximar e desta feita deitar o olhar com apuro sobre o que eu havia arrastado sem querer, nesta caminhada de uma manhã com sol entre nuvens, inquieta e morna.

E para minha surpresa comecei a enxergar que esta cobertura tênue que eu puxava vinha atraindo para suas linhas tantas e quantas desconsiderações da vida, como aquele distrato, aquela conversa sem sentido na boca da noite, aquele encontro surreal, aquela abordagem sem pé nem cabeça, aquela reunião desconsiderada depois e muitas outras pequenas desventuras se uniam enfarpeladas. Dei-me conta que apenas em um momento de calma difusa e desencontrada, muitos senões se enredam entre si e mansamente se diluem no propósito.

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