quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Narrativa


Acabei desviando do meu caminho naquele dia doido que parecia uma gincana, só que promovida por mim. Deixei para trás a parafernália tecnológica porque interessantemente eu não tinha tempo para perder naquele dia, apesar do dito popular que ela serve para se estar atenta a tudo e que ajuda um monte. Eu corria uma maratona de objetivos e estava ali a cumprir com louvor se preciso fosse. Sem as ditas cujas.

De repente senti que alguma coisa estava me atrapalhando os movimentos e dei-me conta que eu estava travestida com algumas fantasias e máscaras que eu, em habitando aquele planeta, seguidamente utilizava. Foi nesta hora que tranquei o passo, me olhei de cima a baixo, e me estranhei. Mas quem é esta criatura de ombros caídos, com esgar nos lábios ao invés de um sorriso, de mãos crispadas, com pernas pesadas, arrojando os pés. No chão vitrificado refulgia o peso que seguia de certa forma sem identificação, e, se assim o fosse, ele não poderia ser físico. Melhor prestar mais atenção, o buraco é mais embaixo.

Decidi olhar melhor o entorno porque entrei como um furacão neste mundo que eu já havia dado o aviso prévio e me confundi, eu acho. Foi como passar de um portal para outro sem preparação, no mínimo, da alma. Parei de pronto para olhar o que se passava e foi como se um filme não muito antigo desenrolasse com vagar. Vi-me ali entre os muitos, quase igual, ostentando muitos feitios, envergando verdades dos outros, ostentando de certa forma um ser que eu, além de não o ser agora, também não o era. Mas falseava, confesso.

Resolvi sentar um pouco naquele complexo pomposo, com perfume exclusivo e sempre o mesmo, e verificar como eu poderia ter alçado voo deste lugar que teoricamente foi construído para receber pessoas, amornar os corpos do frio da rua, resfriar dos calores de verão, calar nosso pedido de socorro para a solidão, abrir os nossos olhos para a cobiça do desnecessário, cercear nossos movimentos como se animais desgarrados e sem rumo fossemos. Um brete perfeito para enquadrar e direcionar nossos passos solitários junto aos tantos outros perdidos nas tardes daquele bairro.


Levantei um pouco rápido demais porque, de certa forma, me senti desconfortável de estar ali sem a alegoria, sem a camuflagem, sem o olhar altivo, sem o nariz empinado, sem o salto alto, sem nenhuma grife a ostentar. Afinal de contas, sem não mais conseguir ser aquela. Corri para quem eu devia uma narrativa, colocando a trajetória em pratos limpos.

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