domingo, 24 de maio de 2015

Aquela porta


Quase sem querer, praticamente, abri aquela porta com certo vigor porque eu precisava de ar. Ando sempre precisando de brisa fresca como se todas as ventanias e aragens não são suficientes para oxigenar meu corpo. Parece-me, às vezes, que todo o meu corpo carece de ar, uma vez que ando me sentindo como uma máquina trincada, tudo ruge com estardalhaço e então enfiando a cabeça no mundo aspirei aliviada o ar da noite, contemplei o céu estrelado e os ventos mornos.

Quando resolvi voltar, a porta não quis fechar. Ficou ali estaqueada, empedernida, me desafiando. Nem que eu colocasse toda minha força ela não se mexia. Sentei frente aquela fresta para a rua, que aparentemente veio para ficar, tentando imaginar o recado.

Dei outra espiada para fora e não vi mais a noite, mas os dias ensolarados e vertiginosos que passavam por mim sem que eu sequer pudesse alcançar os havidos. Havia também conversas de final de tarde e um alvoroço do qual eu não fazia parte e me senti invisível aos acontecimentos. Enxerguei amigos, familiares, conhecidos e muitas outras pessoas transitando com pressa, desencontrando-se, olhando à frente, mas tão à frente que dificilmente um olhar ali iria se cruzar. Senti o peso de mensagens rápidas se tornarem lufadas desinteressadas, observei que de fato a conexão é mais uma palavra que carece de sentido da verdade e assim o passa-passa do improvável me fez recuar a vista.

Eu não queria mais olhar para a filmagem dos dias que corriam, porque ali não encontrei ninguém de fato, não recebi nenhum vínculo plausível, não consegui ver a vida arejada que eu estava tentando entender através da abertura desta oportunidade que me veio trincada parecendo um desafio.


Teimosa, encarei a porta como se ela fosse culpada por eu ter tido uma coragem besta de ir espiar o mundo e voltar com os olhos sem luz, sem foco e sem brilho. Resignada, empurrei de volta o vão aberto que agora se fechou docemente, como se pedisse perdão. 

sábado, 16 de maio de 2015

Disfarce

Era sempre a mesma coisa, a situação surgia e as boas intenções alavancadas brotavam afoitas na certeza de ter o caminho mirado e a combinação do passo a passo organizado, com precisão. Com armadura até os dentes como um gladiador pronto para o arroxo tudo se apresentava de maneira clara e objetiva e a intenção estava firmemente proposta, não vislumbrando nenhum perigo à frente uma vez que tudo havia sido examinado com uma coragem renovadora promovendo a ocasião.

Não se sabe bem como, e muito menos em que momento, a defesa pareceu ter nascido somente de um lado. Parecia assim, de pronto ao olhar, que naquele campo as minas enterradas serviam a apenas um senhor, que havia uma trincheira apenas funcionando e no campo aberto não se via arma empunhada, muito menos mãos erguidas ou artefatos de miragem longa. Tudo parecia estranhamente normal e calmo, com gladiadores relaxados, e talvez até perplexos com o aparato.

Nesta hora a armadura começava a pesar e certo ridículo pairava no ar com densidade suficiente para desencorajar quem estava preparado. As perguntas eram lançadas, mas reverberavam de volta sem resposta deixando aquele momento espetacular ficar sem sentido inicial. Aqui pareceria que a preparação para o que vinha era fundamental, e o planejamento para conhecer o que à frente estava tinha sido alinhavado com as linhas do pensamento lógico deixando uma costura mais forte de elementos que mascaravam alguma intenção oculta.  A peça estava pronta e nada poderia dar errado.

Com este impasse foi sendo retirada a armadura que já pesava um tanto, a camuflagem embaçava os olhos, o peso das armas já não podia ser suportado e mesmo sem enxergar direito à frente, desarmou-se o primeiro campo abrindo desta forma o coração para o que viria.

Assim que as armas emocionais metaforicamente representadas pela armadura de gladiador foram despidas, surgiu o furioso ataque da perfídia que ali estava o tempo todo disfarçado, havendo outro por dentro.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...