Antigamente vivíamos entre
portas e janelas muito bem cuidadas, os moradores se esmeravam na pintura da
entrada, instalavam campainhas que tinham a tarefa de avisar o residente que
havia um visitante e assim também proporcionavam a ele momentos de deleite ou
de emoção ao levantar a mão para tocar um sino, um din-don, uma imitação de
cigarra – para os mais surdos – ou uma pesada argola lembrando os tempos mais
antigos, na verdade, quando não existiam tais engenhocas.
O umbral da residência
recebia muita atenção e importância porque muitas vezes um de seus vasos de
flores era o escolhido para “esconder” a chave da casa porque não havia perigo
algum em deixá-la ali para que seus usuários em seu vai e volta o fizessem com
naturalidade. O capacho fazia parte do acordo de facilidade para entrar e
sempre era um personagem de destaque no alpendre e uma opção libertária de esconderijo.
As janelas eram muito privilegiadas,
porque mostravam o externo para quem estava dentro, com incumbência de trazer
as imagens do que acontecia na rua, no jardim, no trânsito em frente à casa, no
céu, nas nuvens e no ar. Eram elas que davam o recado todo dia e serviam com
fidelidade absoluta. Através delas os humores vespertinos se alteravam porque a
programação poderia mudar conforme fosse a noticia que entrava através destes
grandes olhos. Cortinas eram instaladas, algumas para vetar a luz do sol que em
determinados dias não era bem vindo ou simplesmente para fazer uma bruma entre
a realidade e o sonho, se por acaso ali vivessem poetas, escritores, artistas
ou apenas pessoas mais sensíveis. Como uma moldura da vida, as floreiras davam
o acabamento perfeito a estas janelas que em seu parapeito recebiam cotovelos
curiosos perscrutando a rua, sorrisos com a chegada de parentes e vez ou outra muito choro por quem dali se afastava para sempre.
Impossível não pensar em
nossas atuais portas que perderam sentido e encanto, uma vez que a virtualidade
das relações extinguiu as campainhas que perderam seu propósito. Ninguém mais se
anuncia e todos entram sem permissão em todos os lares através do mundo virtual
e assim as aberturas, além de não terem trancas não encarnam o romantismo de
uma visita inesperada, do amor retornando, da vizinha trazendo uma prenda ou da
chegada surpreendente de um filho que se foi há tempos.
As janelas de hoje são as
que mais sofrem, porque restam fechadas com black-out para que a luminosidade
não atrapalhe a interatividade desenfreada compartilhada entre tantos aparelhos
de alta definição. As flores, ora, flores murcham por falta de atenção e o
capacho se desfia sozinho.
Um comentário:
Oi, Vera, penso que entendi bem o escreveste sobre portas e janelas. Vim de um pequeno "paese" há pouco tempo e pude ver todos esses cuidados ainda hoje, foi estar no paraíso. E também muitas flores, até em Veneza. E eu pensava que era cuidado só dos alemães.
Sobre os dias de hoje, concordo contigo.
Beijos.
Maria Rosa
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