A noite nos cobre em
silêncio com seu negro manto e mesmo que haja barulho lá fora, em tudo se
aquieta a vida, ela, que durante o dia comanda todas as ações conforme sua fase,
claro, bordejando entre o bem e o mal. Não existe meio termo quando o sol se
alevanta e a negra atmosfera surge após, com suas características e surpresas, pegando
a todos desprevenidos quase sempre.
Afundamos na escuridão por
livre iniciativa, a mente buscando a paz e o corpo querendo se esvair em partículas
mínimas para não pesar. Nada sólido apetece nesta hora muito menos pensamentos
confusos e assim etéreos como anjos avançamos na madrugada densa e por isso
mesmo desejada. Bom demais tirar a fantasia e as máscaras que amarrotam nossos
desejos, rasgam nossas propostas, furam nossos olhos com o inominável, surripiam
nossas convicções tirando de campo, por um momento, a vontade de ser.
Desnudos da vida real neste
horário eis que surge um personagem gritante em meio à bruma gelada e úmida da
madrugada. Difícil acreditar, que ao invés do terror noturno, dos sonhos inconfessáveis,
do descanso da agitação amorosa em meio aos lençóis, da paz conquistada uma vez
que o dia caiu, possa haver tal intromissão que pia incessantemente através do
sereno da noite.
Ele chega altaneiro e como
dono do silêncio escuro resolve conceder seu trinado para dar o contraste aos
sonhos desesperados que varam o buraco abissal que se constitui a noite, para
alguns muito, para outros nem tanto e até pode ser que para vários, nenhum.
A cadência do Sabiá empurra
para o lado a faina ignóbil do sono trazendo a acústica de volta, só que desta
feita, com cantorias que talvez mereçam serem ouvidas mesmo que maçantes em sua
melodia, porque o Sabiá é monocórdio.
E assim, mesmo sem querer, o
nirvana cerebral absorve o concerto qualificado que lentamente consegue abrir
as gavetas fechadas dos nossos medos, desencantar o pesadelo sem fundamento,
desmanchar os fantasmas que se incluem como visitantes indesejados todas as
noites. A insistência do trinado repetido e melancólico nos traz de tudo um
pouco.
Um comentário:
Gostei muito, nesta época de final de Inverno, até o início da Primavera, somos agraciados com os cantos dos Sabiás, marcantes principalmente nas madrugadas, quando o silêncio é rompido por suas belas melodias. Todos os anos espero por este momento, onde os Ipês florescem e os Sabiás nos presenteiam. Deus permita, que a natureza não se modifique.
Postar um comentário