domingo, 10 de agosto de 2014

O Funeral


Morrer é solene e a morte é imperativa. Não tem nada mais definitivo e mais incerto em nossa vida. Sempre, sem acreditarmos que a hora vai chegar,  aparece o velório daquela pessoa querida, parente, pai ou mãe e vais te ver diante da cerimônia, em que a despedida é a última. É para nunca mais.

A cena, muitas vezes é insólita, pois entramos no túnel do tempo. A vida tratou de dar um soprão em todas as pessoas da cidade natal e de repente todas elas, do teu passado, retornam, como gentis fantasmas sorridentes te espreitando, te olhando, para confirmar se você é você mesma.

É neste momento que o funeral se torna uma cerimônia linda, única, entremeada de abraços e como vais, há quanto tempo, enquanto a alma do morto paira sorridente sobre o grupo, pois foi desta terra nascido e por ali viveu sendo respeitado e querido, apenas o destino o levou para outros cantos, mas sua alma mora ali, naquela cidade. É para ela que ele quer voltar.

As raízes afloram nesta hora, todos entram nos trilhos do passado e aproveitam a viagem que vai se tornando íntima e lúdica. As primas e primos, parentes e amigos que há muito não se vêem e que precisaram de reforço ocular para ter certeza de quem é este ou aquele, agora identificado, soltam a conversa.

O funeral vira uma grande e emotiva reunião onde todos se conhecem e se estranham porque já foram íntimos, e há muito, não o são. Amigos de infância que juntos, têm as melhores recordações de criança parecem querer voltar no tempo, já começam a sorrir e se falar do mesmo jeito de 40 anos atrás ou mais.

O passado impera na cerimônia. A alma do velado continua serena, pois afinal, em sua despedida, todos estão reunidos na sua partida. Que honra. E ele parte. Agora, para sempre. Regressa à sua terra.

À beira do túmulo, agora fechado e cheio de vivas flores e homenagens o grupo se alvoroça, é chegada à hora de voltar ao agora. Em círculos, as pessoas se misturam, andam erráticas e não sabem como se sai de lá.


A viagem de volta ao passado tem que terminar ali. Abraços de um e outro e quando se vê, se está abraçando e se despedindo pela terceira vez a mesma criatura e o grupo se alterna em círculos cada vez mais fechado e mais difícil de dissolver. Enfim, se rompe o laço. Não tem jeito. É hora de voltar a viver a vida. Até a morte.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mas adorei o Funeral!Abração

Mauricio Ronaldo disse...

Adoro ler textos, principalmente, quando foi escrito de uma forma que coincide exatamente com aquilo que penso, ainda mais sobre um tema como esse, que ninguém gosta de falar - a morte. E ainda quando retrata perfeitamente o que acontece nos velórios. Parabéns! Beijos

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