De ventas altas se fizeram aqueles dias, fungando todos os fantasmas desde os mais corriqueiros até os mais densos, aqueles que se assemelham a nós mesmos nos piores momentos. Fugir era a minha intenção e quase o fiz, mas houve algo que me prendeu e perdi as forças por conta daquele olhar matreiro, divertido, carinhoso, mas um pouco sem graça que olhava, mas não enxergava, tentava chegar perto e se perdia.
Ouvi um rufar ao longe que me pareceu muito antigo e então percebi que
havia chegado a hora de afundar naquele baú que me perseguia há tempos e
arrancar dali o que fosse preciso. Segui em frente com coragem até porque eu
havia determinado que este fosse meu alimento de hoje, juntar todos os cacos
que insistiam em se amontoar naquela caixa e remontá-los em divertidas figuras
dando um jeito de materializar a fantasia.
As primeiras tralhas que se apresentaram foram os desavisos. Ali,
estavam todos enfileirados, um a um, me dando a lembrar do quanto fui distraída
em não ter dado a devida importância a todos eles que me acompanharam com total
dedicação e mesmo agora, quando não há mais tempo, continuam por perto. Saravá.
Em seguida saltaram e se apresentaram a mim todas as ilusões. Vinham
representadas em cartões amarelados, fitas roídas, bilhetes com escrita
nervosa, mas com lindas frases, recortes de flores e corações entrelaçados que
de repente se desfaziam em suas cores, desnudando o que estava proposto matando
a intenção. Aperto contra o peito aquele amontoado de promessas, umas cumpridas
outras não e ao voltar meus olhos uma última vez, as percebo renovadas em seu brilho parecendo ter
recebido um sopro de vida. Julguei-me ali totalmente incurável.
Continuei a fuxicar nos escombros da minha vida porque de certo modo
estava sendo divertido separar o joio do trigo, limpar os cantinhos reservando o
que tem importância e descartando o mau feito. Encostei ao meu lado a lixeira que
iria recolher as risadas mais antigas, os vestidos de baile, arranjos cafonas,
viagens desesperadas e retornos mais ainda. Por último, retirei um pacotinho
bem fechado onde estava escrito em letra miúda: amor perdido. Vagarosamente
devolvi todas as lembranças ao seu lugar devido.