O
meu canto estava lá, esperando que eu lhe desse vida, imagino.
Quando entrei novamente no espaço após este período em que me ausentar foi
necessário, percebi o quanto ele me faz falta. Depressa, fui ver o mar, meu
quadro pintado por Deus que eternamente está em movimento e sempre a meu dispor
nas minhas janelas, lindo, cinzento e muito calmo como lhe é peculiar no outono
e no inverno.
Meu olhar se deita por todos os cantos lambendo
cada detalhe, cada colorido e começo a ajeitar as dobras farfalhadas que a
diarista deixou, talvez até, querendo me agradar ou posando de arrumadeira. Mas
nem precisa. Meus objetos possuem vida própria e só a mim obedecem
cerimoniosamente quando os envaideço em destaques uma vez que todos fazem parte
da minha história ou da familia. Milimetricamente dispostos para meu olhar.
Sigo
até o jardim, bem tratado, e também dou alô para a vizinhança minha
companheira de abanos, porque por aqui, todo mundo se cuida um ao outro com
discrição. Um bom dia, um sorriso e todos estão acompanhados e solidários às
suas mesmices e particular anseio pela calma e pela paz do lugar nesta época.
Então percebi como me faz falta a presença da
vizinha que foi embora. Nós duas tínhamos um acordo sem palavras desde sempre,
de nos sentirmos felizes e acompanhadas mesmo sem bater na porta de uma e
outra. Disse ela que custou a me conquistar o olhar e por isso eu peço perdão.
É meu jeito obtuso, destrambelhado, quiçá. E então, surpresas eram sempre
inusitadas, ora um arroz com leite bem quentinho na minha porta, um pastel ou
ainda apenas uma frase: vim te dizer que mesmo que a gente não se
fale, eu estou aqui, e também gosto de saber que tu vieste. De
minha parte, um toc-toc na janela: precisas de alguma coisa?
Ao
estacionar meu carro ontem me dei conta de como eu estava acostumada de
observar suas janelas, ora cerradas ora abertas ou no meio tom. Como eu, ela
gosta de penumbra e de sóis às avessas. Perdas e ganhos. Eu não devia ter
ficado longe.
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