sábado, 27 de julho de 2013

O faz-tudo


Todo mundo tem um faz-tudo que nas horas mais improváveis é quem te salva. Um chuveiro quebrado, uma hydra que se descontrolou,  um quadro que caiu, uma torneira pingando. Se fazes mapa astral todo ano, como eu,  consulte todo o mês como esta a conjunção dos astros, pois é barreira, a quebrança estará lá, sendo sinalizada. Apronte a caixa de ferramentas e tome uma dose generosa de paciência porque o mal feito poderá acontecer em todas as conexões da vida moderna.

Vai daí que num bate-papo com meu faz-tudo que se equilibrava na banqueta para arrumar meu chuveiro, iniciei a conversa. Primeiro eu quis saber as novidades da rua, porque onde moro há 28 anos não enxergo ninguém. Deve ser o horário. Mas ali estava a oportunidade de me atualizar, pois ele, como zelador do prédio ao lado sabe das coisas no seu vai e vem de vassoura na calçada, tudo ouve e tudo vê.
E me vem então dizer que o vizinho da frente morreu. Teve uma coisinha de nada, foi ao hospital e de lá não voltou. Câncer. Ele já foi me relatando que toda a sua família teve câncer e que ele, certamente, iria “pegar” um. Então, obviamente, perguntei: e tu te cuidas? A resposta veio direta em um sorriso largo: Eu não, quero comer, beber, viver e curtir adoidado tudo de bom da vida.

Euzinha, escrava de tudo o que é “bom” para o corpo e para a mente, comecei a delirar e com sofreguidão me joguei incauta ao que eu ainda tinha tempo de fazer.
Começo na segunda-feira pelas batatas fritas, ou melhor, “À La Minuta” com dois ovos fritos e para acompanhar, caipirinha com açúcar branco e depois cerveja. Qualquer uma. Não importa a marca o que importa é a “tonturinha”, como dizia um amigo meu.

Lanches da tarde com pastel, sonhos ou quindins. Um não, todos ou vários.
Com todo o colesterol do mundo reverberando nas veias resolvo dar uma animada no cardápio que se intensifica com doses exageradas no café da manhã. Mando baixar omeletes e bacon frito com pão branco bem quentinho, manteiga com sal, geléias bem açucaradas cobertas com chantilly. Frutas, nem pensar neste frio.

Final de semana começa com a feijoada completa no sábado com tudo que existe no porco de mais escabroso e no domingo aquela churrascada com todas as carnes proibidas, e para aperitivo, torresmo, completando o tanque.
Será que é esta vida que o faz-tudo leva?

Vou perguntar!

sábado, 13 de julho de 2013

Ausências




O meu canto estava lá, esperando que eu lhe desse vida,  imagino. Quando entrei novamente no espaço após este período em que me ausentar foi necessário, percebi o quanto ele me faz falta. Depressa, fui ver o mar, meu quadro pintado por Deus que eternamente está em movimento e sempre a meu dispor nas minhas janelas, lindo, cinzento e muito calmo como lhe é peculiar no outono e no inverno.
 
Meu olhar se deita por todos os cantos lambendo cada detalhe, cada colorido e começo a ajeitar as dobras farfalhadas que a diarista deixou, talvez até, querendo me agradar ou posando de arrumadeira. Mas nem precisa. Meus objetos possuem vida própria e só a mim obedecem cerimoniosamente quando os envaideço em destaques uma vez que todos fazem parte da minha história ou da familia. Milimetricamente dispostos para meu olhar.
 
Sigo até o jardim, bem tratado,  e também dou alô para a vizinhança minha companheira de abanos, porque por aqui, todo mundo se cuida um ao outro com discrição. Um bom dia, um sorriso e todos estão acompanhados e solidários às suas mesmices e particular anseio pela calma e pela paz do lugar nesta época.
 
Então percebi como me faz falta a presença da vizinha que foi embora. Nós duas tínhamos um acordo sem palavras desde sempre, de nos sentirmos felizes e acompanhadas mesmo sem bater na porta de uma e outra. Disse ela que custou a me conquistar o olhar e por isso eu peço perdão. É meu jeito obtuso, destrambelhado, quiçá. E então, surpresas eram sempre inusitadas, ora um arroz com leite bem quentinho na minha porta, um pastel ou ainda apenas uma frase: vim te dizer que mesmo que a gente não se fale, eu estou aqui, e também gosto de saber que tu vieste. De minha parte, um toc-toc na janela: precisas de alguma coisa?
 
Ao estacionar meu carro ontem me dei conta de como eu estava acostumada de observar suas janelas, ora cerradas ora abertas ou no meio tom. Como eu, ela gosta de penumbra e de sóis às avessas.
 
Perdas e ganhos. Eu não devia ter ficado longe.
 
Posted by Picasa

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...