Ela está embarcada no trem da vida desumano que somente
existe para gerar necessidades materiais, e dali não consegue apear. Ora é a
cozinha, o quarto, a sala, a geladeira, o fogão, a prateleira ou a reforma do
barraco e o puxadinho. Também ajuda o filho que bem novo já casou, já tem filho
e precisa da mãe para seguir a vida. Trabalha e cumpre com seu oficio, porém carrega
nos ombros a força e o peso da demanda que ela pensa precisar.
A frase que ela sempre repete é que “não passa vontade”.
Isto quer dizer várias coisas e só vou comentar uma, pois me chama muita a
atenção: a alimentação. A desgarrada
elegeu toda a comida que faz mal à saúde para alimentar a si e a família
porque, penso eu, para ela este consumo está associado a algum “status”.
Ninguém elege um pé de alface como sendo algo precioso a ser consumido. A
conseqüência do sobrepeso e os riscos para a saúde não a incomodam assim como a
falta de quase todos os dentes.
Tudo por um, ou vários, carnês.
A outra trabalha em cidade pequena e utiliza a bicicleta
para fazer a visita aos seus patrões. Como a primeira, todos diferentes e com
vários perfis. Alegre, sorridente e muito fiel, quando demoro a aparecer, por
conta própria vai dar uma reativada na faxina que faz tempo que fez e, por
qualquer motivo, eu não pude ir e aproveitar.
Deixa bilhetes carinhosos e pede desculpas por ter
entrado para pegar o pagamento que deixei em cima da mesa, porque apressada
tive que ir embora. Atende ao telefone, sempre que eu ligo me chamando de
“querida” e já vai perguntando como estou e como vai meu irmão.
Sempre sincera e pura, chega de surpresa na minha porta
para bater um papinho que eu agradeço com um cafezinho bem passado na hora.
Sentamos na copa para trocar uma idéia que passa longe, bem longe do consumo,
do dinheiro, do ter ou do dever. Às vezes eu a encontro na cidade vizinha ou no
supermercado e trocamos palavras como velhas conhecidas, ela, sempre bem arrumada,
sem reclamar de nada e de muito bem com a vida.
As duas são
generosas quando fico doente. Uma diz que eu sou rica e ela é pobre a outra
sempre me abraça quando chega e gosta de
me dar conselhos e de me criticar quando minha fala fica cinzenta.
Com a primeira estou sempre em divida parecendo que estou
em falta com ela, com a outra, sob o mesmo prisma, estou sempre com muito
crédito.
Uma trabalhadora escrava do ter, outra livre para ser.
2 comentários:
Mas muito bom mesmo.
Não faltou nada e nem sobrou. Elas são bem assim mesmo.
Bjs Daio
Vera,
Quero a diarista da cidade pequena ! Primoroso como sempre . Bjs. Marilda
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