sábado, 29 de dezembro de 2012

Tempero

Temos que ter agora uma vida sem sal e de preferência uma comida que se ressalte o sabor através de especiarias ou dele próprio.

Então,  vão se mexendo para inventar o  que mudar no alimento para que tenha bela figuração na mesa sem aquele personagem agregado que agora é vilão. Simples assim, por decreto, como se estivéssemos em uma república das antigas onde todas as ordens eram impostas. O sódio está condenado.

Fiquei então imaginando que estamos fadados a viver na doçura, flutuar em nuvens de chantilly, mergulhar em caldas macias e fartar nossa gulodice em doses catástróficas de chocolate. Mas, o delírio não se confirma, pois o açúcar também está condenado e execrado das nossas mesas, sobrando o assunto para nossa imaginação.
Então, comida boa mesmo é aquele acepipe minúsculo acondicionado no meio de uma folha de alface com um ramo de hortelã lhe seguindo as curvas, suspeitas, porque de pronto, não se reconhece sua origem. A iguaria vem salpicada de um vermelho açafrão rodeada por um fio tênue de qualquer coisa viscosa agridoce que cola no céu da boca. O prato é sempre branco e enorme causando impacto visual que imediatamente estabelece um diálogo com o estômago mandando dizer que está saciado. Estratégia.

Pensando nisso fui para a cozinha fazer um tempero de salada que eu inventei e resolvi levar um pouquinho para minha vizinha. Quando abri a porta para levar o resultado da minha obra, ela estava com a mão no alto para bater na minha porta,  me levando uma sobremesa, daquelas bem das antigas, igualzinha a que minha avó fazia. Sintonias.
O sal da vida.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O fim do mundo


Estou bem sentada aqui esperando o fim do mundo depois de amanhã. Resolvi que não vou fazer nada diferente, ou melhor, na manicure,  não vou pintar minhas unhas, porque ao virar pó não quero ter em meu corpo nada que se configure estabelecido, muito menos o meu esmalte que sempre é vermelho. Imagina,  20 pontinhos grenás permeando as poucas cinzas que eu presumo que ficarão amontoadas num cantinho. Mesmo assim, espero que meu pó seja de cor desmaiada, chic e um pouco cintilante. Mania de não querer parecer despercebida.
Fico na expectativa de uma viagem deliciosa esta, de  final dos tempos, onde tudo o que existe  irá sucumbir e se tornar apenas uma nuvem etérea vagando no cosmos, como se fosse uma civilização tão baldia que o único destino cabível é planar no inútil.  Acho que, preferentemente, não haverá cor porque todos os fins são desmaiados, estonados e tristes.

Imagina o vácuo atmosférico sem o humano vilipendiando o planeta Terra, bagunçando o coreto do clima e da água e à mercê dos poderes antropofágicos de nações, políticos e etnias. De qualquer forma, me parece que nosso astro não irá conseguir se abduzir em luz no dia 21. Muita cangalha, muito ferro, muito cimento, muito plástico, muito silicone – principalmente – sem condições de derretimento. Nem  o mea culpa vai salvar o planeta. Em minha visão, melhor que o mundo como está não se acabe, porque não vai haver espaço no céu para acolher a tralha desconjuntada.
Em contrapartida,  esta expectativa de fim do mundo andava me alegrando porque não consigo mais ser colorida como antigamente.
 
Um coração chumbado.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Descoberta


Meu coração, bagunçado sempre foi, por ora anda calmo e parecendo que de tantos sustos, se acovardou. Não bate depressa por nada deste mundo, como se tivesse preguiça de fazer o sangue esquentar um pouco que seja. Só de olhar em volta e ver-se rodeado de artérias a bombear, tonteia e  cai derreado, triste mesmo.

Assim mesmo, lá vai ele carregando meu esqueleto com cuidado, sem fazer muito barulho, dando breque em cada esquina, olhando em torno, enfim, sendo bem cuidadoso. Neste vagar, foi surpreendido nos caminhos da vida pelo parceirão,  chamado Sentimento. Este cara que não precisa de sangue para viver.
A mente não segue o ritmo cardíaco e vez por outra nos trai a confiança. Derruba nosso plano, enterra nossa afirmação, esquenta as veias com voluntarismo se tornando dona de si. Cobre-se de colorido com tendências irrevogáveis, como o azul em todos os seus matizes, se dissimulando em mantos transparentes como se ela tivesse o direito de exercer sobre o sentimento seu poder. Pífio poder, entretanto, uma vez que se rodeia apenas de desejos, de fomes arrebatadoras e sonhos.

Um dia, desavisada e  deixando o coração de lado, me peguei a pensar naquela figura carismática e da montanha de lembranças não quis mais me afastar, uma vez que ouvia de longe as risadas, os olhos fumegantes e o corpo falando a linguagem escamoteada dos apaixonados ocultos. Sentada no cume de uma história sem final, fiquei imaginando quantos inícios se pode ousar em um conto.
Amor platônico.

domingo, 2 de dezembro de 2012

O sujeito

Sempre que ele me liga já sai gritando, bradando algumas palavras de ordem, em seguida debocha, reclama do sinal e depois pergunta onde estou, obviamente não escuta e finaliza dizendo a que veio esta ligação. Uma voz granulada e estridente que tem o  poder de me abstrair de onde estou, como  se fosse um foguete da Nasa me lançando ao cosmos, me tirando do fundo da cama, doente, simplesmente  amolada ou até morta. Também não importa para ele onde estou porque urge desgarrar-se do mico que lhe foi entregue a domicilio e pousá-lo em outros ombros. Desta vez, lançou o dardo ensandecido na minha omoplata.

O encontro do mim para consigo fica na casa do eu falo e eu respondo, ao mesmo tempo embaralhando as palavras ao colocar a vírgula onde é o ponto, a interrogação na resposta e a exclamação na pergunta. Uma pontuação entrevada uma vez que confunde todas as rimas entrelaçando expressões que vão da acusação ao elogio, em fracionados segundos milimetricamente calculados.
Meneia a cabeça, ajeita os óculos e continua com dedo em riste ditando a contra-ordem e eu ali, pasma, sem saber para que lado fugir. Fugir sim, porque com este conteúdo jorrado sobre o meu intelecto sequer consigo impelir para um filtro que possa destrinchar a proposta.

Depois do falatório a língua começa a soltar em outros certeiros brados vinculados a forma de execução, a estratégia e tudo o mais que não é da conta do decujo proponente.
Um pavão. Conversa de doido.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...