segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Voltar para casa



Depois de uma viagem real para algum lugar, ou, mesmo uma saída espetacular da realidade, vulgo “viajar na maionese”, voltar para casa é a redenção.

A casa, que ficou vazia de você, aguarda calmamente o momento em que retornas, para lhe devolver a vida. E você entra nela carregada de uma bagagem extra. Trazida de caminhos desconhecidos até então.

E haja lugar pra encaixar tanta lembrança. Não queremos que nada fique de fora.

Então, vamos fazendo as escolhas.

Os prazeres da mesa irão para o freezer, lugar perfeito para acondicionar em potes imaginários, os especiais aromas e paladares. Pois, de vez em quando, ao abrir o acondicionado eles voarão em nossa memória.

Os vinhos fantásticos sorvidos na melhor companhia de si, da paisagem ou de alguém próximo e de outros, nem tanto, são descritos na caderneta de anotações do médico para relatar na próxima consulta. Precisamos que ele nos diga: no fígado, a senhora não tem nada.

As compras feitas por impulso vão pra caixa fechada, tudo bobagem.

As aquisições elaboradas, como o porta-retrato furtacor, o lenço de seda macio e colorido, a xícara de porcelana, a pashminna, o perfume, terão lugares de honra no closet. Serão as quinquilharias da hora e estarão sempre à mão para serem usadas, trazendo as boas lembranças do encontro em que uma se mostrava à outra, se oferecendo.

As fotos serão reveladas na maneira mais antiga para que, fisicamente, se espalhem pela casa, dando um ar de vida em dia. Vida atualizada. Vida bem bacana.

Os diálogos, as palavras soltas, se transformarão em escritos e quem sabe cada uma, separadamente, com seu significado renda uma crônica, um conto, um poema ou um texto qualquer. Mesmas palavras e vários vieses.

As pessoas – personas conhecidas – neste último caminhar ficarão presas na caixa eletrônica de Outlook com seus e-mails redigidos carinhosamente. E talvez, com o passar do tempo, esquecidos. O telefone fornecido é o celular, esta máquina da surpresa, que te tira de qualquer lugar, em qualquer momento, sem a menor cerimônia. Com certeza ficará relegado ao esquecimento, pois lhe faltará intimidade para acioná-lo, se sentir saudade.

O perfume e os ares de onde andaste a esmo vêm impregnados na tua roupa. Porém, partirão impiedosamente ao serem lavados com os perfumes usuais da casa. Sendo assim, está reposta tua rotina de cheiros. Eles ficarão, apenas, na ponta do teu nariz. Fechando os olhos, o recebes de volta.

Os amores conquistados nesta viagem estão no fundo do coração.

A casa te aguarda, bem arrumada e limpa para o repouso de todas as emoções.

O coração se deixa ficar, quieto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vera


Li as tuas ultimas crônicas.


Acho que estás atingindo um novo patamar.


Sugiro mostrares algumas para um editor ou jornalista.


Creio que elas valem pelo menos uma coluna no jornal.


Afinal voce pôe a Marta Medeiros no chinelo.......


Beijos
Carlos

Inês Maia disse...

Verinha! Cada vez melhor, sempre e sempre. Este voltar tem muitos significados, bem sabes! O melhor de tudo é voltar pra gente mesmo. Bom poder divagar em cima das tuas palavras.
beijo grande!

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...