sábado, 14 de junho de 2008

As novas ruas engolindo as emoções

As ruas do meu bairro mudam de aspecto mais rapidamente do que eu possa acompanhar. Residências desaparecem e espigões se lançam aos céus numa velocidade voraz.

Nas minhas andanças vejo casas caírem lentamente sobre o martelo de operários que insensíveis destroem tijolo por tijolo o lugar, deixando desnudas as emoções que permearam anos de vida de uma família. Quantas conversas nos corredores, discussões do dia a dia, amores compartilhados, cheiros das estações do tempo e da comida diária. Cheiro da família, chinelos se arrastando, gente rindo e tossindo, familiares partindo.

Acompanho atônita como se fosse um filme todas estas energias pulsantes que pairam sobre este lugar que agora não é mais nada. Vagam no entorno se perdendo, e para onde esta gente foi esta fase talvez não os acompanhe.

Sem nenhum pudor a intimidade da morada é deixada à mostra e descoberto os azulejos daquele velho banheiro que viu tantos corpos nus, gelados, quentinhos, jovens, velhos e desolados talvez. Lágrimas escondidas num espaço que é privado e santuário para muitos. E me aperta o coração.

O carvão da velha churrasqueira no jardim ainda cheira e ouço risadas de uma reunião de domingo. No abandono, uma banheira de porcelana cheia de inço, ridícula e bela na sua falta de propósito depositada naquele charco e não em seu lugar de origem com velhos azulejos e vapores fumegantes de uma sala de banho antiga.

E as paredes vêm abaixo sem dó com a história desta família se desfazendo no chão junto aos últimos cacos de tijolo, argamassa e azulejo picado mil vezes. Renascem novas em outro lugar, ou não.

E o meu coração se aperta e choro.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom, muito bom. Daqui há pouco vai dar pra montar um livro!!
Vai em frente. Vai ser cada ver melhor!!
bjs

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