domingo, 7 de setembro de 2025

Vou me calar

 


Quantas vezes eu prometi me calar e ao chegar no convescote a tramela se desconectou de mim e assim entre uma palavra e outra fui soltando o palavrório, reuni a força dos pronomes, ajuntei um bocado de substantivos com seus referidos adjetivos e me larguei na conversa que vinha entrecortada de assuntos sobrepostos até que um dia eu percebi que estava falando para nada, ninguém, sequer para o vento. Decidi me calar e de agora em diante apenas vou escutar, mesmo que meus ouvidos estejam um pouco teimosos.

Deste jeito nem as paredes escutarão a minha voz e quando eu vier da rua, do mar ou de qualquer ambiente elas não terão o privilégio de me ouvir contar o que aconteceu no tempo que passei por aí, colhendo dados, travando uma prosa, ensaiando ideias com qualquer um, desperdiçando meu tempo tendo a certeza que para o meu coração a rua pode ser dramática, engraçada e emocionante. Agora, com ouvidos sem serventia por vontade própria virei sempre carregada com a tinta no matiz inspirado na cor da vida ilustrando a história do dia na parede, que certamente me ouvirá.

De outra ponta estas janelas com ferrolho antigo que rangem e gemem durante os ventos costeiros intermitentes do inverno praiano também não irão se abrir no momento da minha prece matinal que todos os dias enfrenta o frio da manhã através da veneziana orvalhada. O céu escuro e estrelado irá receber a minha intenção de chegar ao Divino com meu pensamento sendo conduzido pela suave maresia da madrugada. Minha fala se cala para todos, menos para mim.

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