Ando dormindo quase que para
sempre, cada vez que vou ao leito quentinho, depois das preces e da encomenda
de mim mesma a Deus pois o dia de amanhã não me pertence. Aguardo no limbo do
sono até chegar a hora em que alguém vem me visitar e sussurra suavemente que
fui a escolhida do dia. Então me apresento, agradecida, porém desconfiada e
então me dirijo até a rua deliciosamente gelada nestes dias para verificar com
os meus próprios olhos se o mundo ainda se encontra no mesmo lugar ou, talvez,
o céu tenha decidido que hoje não seria um dia para se levar a sério.
Me dei conta imediatamente que
eu havia sido brindada singelamente para passar o dia dentro da minha rotina,
que não aparecia nenhum corpo estranho na conjunção intricada que une a ossada
e seus comparsas formando minha estrutura física, que braços e pernas se
coordenavam assim como a cabeça e seus parceiros estavam desempenhando suas
funções com normalidade.
Feito isso me debrucei sobre o
outro lado da minha vida e, com certa parcimônia, passei a escarafunchar quais
as letras que andavam flanando vagabundamente na minha mente, guardando um
certo silêncio a respeito do assunto. Lá estavam elas, de costas para mim,
enredadas em um fio condutor que desaparecia no ar, todas andando sem ritmo
como se houvesse algo as atrapalhando.
Me coloquei em alerta e
comecei a me esforçar para, em primeiro lugar, coloca-las enganchadas uma na
outra para obter uma formação literária mínima e com fundamento, desejando que
houvesse relevância ao invés deste redemoinho de consoantes e vogais estéreis.
A esta altura dos
acontecimentos minha autonomia na criação corria de um lado para outro tal qual
neurônio brincando de esconde-esconde em uma dança descoordenada, chegando
perto e em seguida sumindo da vista, escorregando na rima, derrapando no provérbio em uma alegre confusão de letras travessas. Decidi acompanhar o
divertido ritmo bagunçado do dia e fiquei à mercê.
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