terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O chaveiro

 


Por força das circunstancias da vida e do imponderável o chaveiro de parede amplo e vazio da minha casa foi alvo de ocupação por aldravas alheias, escolhidas pela vizinhança próxima que por motivos diversos necessitaram que eu mantivesse a guarda dos segredos de suas residências com ênfase na morada de praia, casa esta que possui uma alma diferente da residência com outro norte e outro viés de personalidade alhures.

A casa praieira, em princípio, não tem segredos por força da época de sua invasão que pode – por obrigação, muitas vezes – receber pessoas da família, outras nem tanto e outras sem nenhuma ligação ou contato com a história do lugar.

A casa de veraneio já vem aberta com sol e ventania em todo o espaço sem falar que inexiste caluda entre quem ocupa e tudo corre solto a começar pelas paredes que não tem ouvidos, as janelas com as cortinas esvoaçantes e fora do prumo, as areias indomáveis cobrindo móveis e utensílios pousando no chão já esparramado.

Fui escolhida pelos amigos para que retivesse a chave da morada por um tempo e as entregasse para o convidado proposto, o que me fez pensar um pouco na história de cada ambiente, das paredes impregnadas com os mantras entoados desde sua feitura, o cheiro do reboco e da tinta fresca nas divisórias recém construídas, o recanto preferido para fazer a reza, a janela de qual sala ficará frente ao mar e assim, peça por peça, foi criada com propósito especifico de habitar as cercanias do mar.

O chaveiro terá a missão de escancarar a casa com história formada de modo receptivo neste momento, para que, em tempos de verão e calor, os moradores transitórios possam escrever nas areias da praia suas histórias efêmeras. Aloha!

sábado, 25 de janeiro de 2025

Onde estão as palavras

 

Por mais que eu saiba onde os vocábulos estão, em que página, em qual dicionário, em qual livro se acomodam, não as tenho encontrado com facilidade.

Elas demoram para aparecer como se estivessem com pressão demais ou na contrapartida um certo desdém e por este motivo andam camufladas. Quem sabe sentem-se envergonhadas ao serem obrigadas a mostrar uma torrente de termos impróprios, fazendo-as corar de decepção e embaraço, preferindo não dar na vista a dita frase que poderá constranger os brios do vernáculo.

O composto em sequência de vogal e consoante que encaixa todos os nomes, pronomes, virgulas, pontuação, parágrafo e travessão formando o conjunto a ser lido sumiu como que por encanto dos rascunhos amassados e jogados ao redor do teclado.

Anda parecendo que me engano no encaixe uma vez que a grafia correta escorrega do papel, se apaga como num passe de mágica, os fonemas fogem horrorizados com o absurdo relatado nas inocentes linhas, linhas estas que vazias se oferecem para bem servir o pensamento que insiste em se expandir teimosamente, mesmo percebendo que as tintas do pensamento andam navegando em outros mares. Mares ocultos e não navegados com frases que não fazem mais sentido


domingo, 19 de janeiro de 2025

Ventos uivantes

 

Por aqui, neste pedaço de mar e terra insólito por calmo ser, o vento chega como quem não quer nada parecendo até pedir desculpas antecipadas por estar, eventualmente embaralhando o que tiver pela frente acredito até que por pura diversão, enquanto o calor grassa na areia escaldante o vento resolve brincar de esconde-esconde, aparecendo e desaparecendo como que por mágica.

Tudo inicia com uma calmaria inquietante com um ou outro sopro inusitado que levanta aqui e ali um Areial e logo se acomoda, disfarçando o que há de vir, balançando a vegetação dos cômoros, tapando as casinhas de tuco-tuco e de coruja, com este ar de normalidade e refresco.

Como os tempos são de números excedentes em tudo o que se refere aos calores de verão o primeiro a se manifestar na ventania é bem no rés do chão quando o sopro afoito açoita os comandantes moradores de abaixo do chão que ao se refestelar em águas mais quentes se aquietam no sufoco do areiame e correm para o buraco.

Depois, os humanos iniciam sua jornada de corrida ao chapéu, ao guarda-sol, à canga e o que mais houver que possa voejar nos braços do vento airoso e forte, aliás, ele sempre com um cínico sorriso nos lábios.

Mas o rumoroso destino da tempestade de areia ultrapassa a meia praia e se joga com furor nos morros, nas estepes, nos matos de eucaliptos e de pinus não havendo uma única folha que não passe o dia se virando e revirando com esta brisa indômita.

E deste jeito vai passando o tempo e as vestes, as bandeiras, as ventarolas, os banners, já esfarrapados não se cansam de ir ao mar por ser um movimento atávico de cada praieiro gaúcho. Faça sol, faça chuva, faça vento, lá estou eu!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Aos pedaços

 

No todo que se apresenta parece haver uma falha que eu não consigo vislumbrar muito bem, distinguir o acertado e o apartado, o encostado e o sumido o que me causa certa, apreensão para destacar o mínimo. Encomendei que tudo viesse no mesmo formato, com as mesmas características de um aglomerado minimamente coerente.

Me parece agora que houve ali uma ruptura que viceja por debaixo da aparência que se esconde em profunda sutileza de forma alguma passando despercebida. Talvez fosse proposital, talvez fosse o modo correto de sempre, mas não para esta ocasião que prevê desprendimento, alegria, coração aberto e braços erguidos para o abraço.

E assim segue a passo a ocasião marcada por cortes aqui e ali, prenhe de significado real, saudoso do havido em tempos idos, ansioso por novas histórias e, principalmente, tempo mais largo para cria-las.

Melhor aceitar que muito pode acontecer aos bocados restando a tarefa de juntá-los com paciência deixando que a vida trate de reunir o que por ora se apresenta em porções desconexas na sua maioria.


Fio desencapado

  Estava tudo igual com a pasmaceira dos dias passando, o sol nascia e descia com variação de tempo conforme a estação, o mar com sua muta...