domingo, 19 de fevereiro de 2023

Chuva em transe

 

Eu tenho certeza que ela está por aqui em algum lugar sabido, mas ignorado, quem sabe à espreita atrás daquele poste, ou, se virar a esquina ela será descoberta, quem sabe ainda atrás de alguma nuvem se disfarçando no ir e vir do vento aguardando a chegada do melhor momento para se derramar sem dó nem piedade por sobre esta terra ressequida e ávida do seu complemento essencial para vida. 

Empedernida e voluntariosa, fica espiando o vai e vem do clima que cheio de humores ora emburra e empaca no grau máximo solar ou resolve cair em queda livre deixando seres vivos e outros nem tanto, perdidos, olhando para cima a espera de um desenlace, afinal o olho do furacão está sempre na berlinda. 

De certo modo o preparo é intenso uma vez que se ausentou por um período voluntariamente e agora deseja retornar ao ponto correto de sua glória corrigindo o clima encardido e ressequido. Deverá surgir em parceria com o céu que a auxiliará na performance do derrame, junto aos sons estrondosos das nuvens no bailado da tempestade. Fico olhando para todos os lados, aponto o nariz para cima e para abaixo e busco os sinais característicos da tempestade sem encontra-los. 

Mesmo que ela não ressurja nestes dias com a força desejada gosto de imaginar a apoteose de sua entrada nesta estação seca e posso sentir em minhas narinas o vento gelado que a envolve em seus braços como se fosse um choro repentino se derramando por sobre a natureza que, emocionada, responde com verdejante entusiasmo. A saudade de se derramar regularmente cessará assim que a garoa se fizer presente como se fosse um choro convulsivo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O Circo do Calor

  

A evasão se aproxima a passos céleres, marcha essa despercebida pela maioria do populacho circundante das areias, sejam eles animais, plantas ou humanos. Tudo se enquadra no apocalipse do calendário que avança fantasiado de festa popular justamente para deixar em completa alheação o povaréu que se bandeia para estes pagos quentes de verão solapando todos os protocolos. 

Não há mãos a medir na arrecadação de todo o tipo de aventura que traga um gole inebriante para acessar qualquer coisa que mude o vento e traga a descompostura para o centro do picadeiro, picadeiro este que resta como um chão batido açoitado dia e noite. Nos intervalos, palhaços são convidados para ajeitar a bagunça e assim vai sendo dia pós dia deste tempo que parece ser o juízo final do verão. 

Na esteira da probabilidade tudo acontece ao mesmo tempo e a algaravia dos pássaros ganha coadjuvante sonoro que os emudece tal a falta de sintonia do que atravessa os ares. E lá se vão em fila indiana as trombetas que são a marca registrada do tempo de calor para estes lados ofertando o que se quer ou nem tanto, seguida pela boutique ambulante colorida da moda abrasadora. 

De olho no calendário os festejos se aceleram e não há tempo a perder, tudo deverá ser vivido em poucos dias, a cantoria deverá arrebentar gargantas, o ar se enfunará de pingos etílicos e a rua se encherá de movimento inundada pelo Bloco Invasor de todos os anos. 

Em paralelo, as porteiras da cidade, os cadeados dos condomínios e as aldravas das residências se abrem de par em par aguardando com ânsia a retirada dos artistas do Circo do Calor. Tudo pronto, que aconteça a evasão!

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...