terça-feira, 12 de julho de 2022

Voltas e mais voltas

Por mais voltas que eu dê, por mais nós que eu tente desatar, por mais sonhadora que eu queira ser, por mais paisagens que eu queira variar acabo me voltando inexoravelmente para as inconstantes águas do oceano que me circundam, além da moradia, meus olhos e meu coração, principalmente. É nestas águas voluntariosas que busco múltiplos reflexos todo dia me distraindo com sua brejeirice em dias calmos, traquinice em dia de alegre ventania, furioso em maré alta e romântico em dia de lua cheia no verão. 

Mesmo que eu caminhe para seu lado oposto ele me acompanha com seu rugir inconfundível que entra dia sai dia arrefece ou se torna grandioso, acredito que dependendo de sua conversa com a população marítima e seus transeuntes pescadores e pesqueiros que singram suas áreas todo dia, não sem antes fazer uma oração fervorosa ao seu santo protetor, São Pedro. 

Eu poderia dizer que ele me persegue buscando me dobrar à sua vontade do dia que pode variar de acordo com seu humor ao nascer do sol neste horizonte maravilhoso que se descortina e se abre a luz do sol com avidez de clarear tudo o que envolve este pedaço de chão movimentando com maestria os ditames que a natureza perfeita impõe. 

De certo comigo assim acontece e com um capricho minucioso o mar vai se apoderando da minha rotina e encampando a cobiça do dia emergente em mim e com suavidade lúdica e airosa infla minhas narinas com o aroma marítimo tão peculiar que se diversifica entre a flora e a fauna praieira numa dança de cheiros inebriantes. A partir deste efeito diário segue o tempo pautado pelas ondas do mar.

sábado, 2 de julho de 2022

O velho invisível

Olhei para aquela janela antiga e não pude me furtar de imaginar quem poderia estar por detrás desta abertura machucada pelo tempo e que transparecia um cansaço de existir, uma desistência de manter a estrutura outrora viçosa com o mínimo de vigor aparente. 

Certamente por detrás da abertura abandonada existe alguém que em algum tempo atrás ali se debruçara para acenar aos seus vizinhos, contemplar os jardins, respirar um ar puro e na sequencia voltar aos seus afazeres com a felicidade recolhida. Talvez o morador seja todo ouvidos para os sons de antigamente, uma gritaria lúdica da criançada da casa, um bater de panelas em um fogão a lenha fumegante, uma afanosa atividade de dias bem antigos. 

Frente a este devaneio imaginei que a aparência de descaso guardasse um segredo de morador ecoando por ali um grito de socorro de dentro para fora, um alerta para o mundo que por detrás desta janela já não existe esperança nem alegria e a única forma de chamar a atenção do entorno é demonstrar a decrepitude do lugar. 

Imagino que a voz para o lado de dentro esteja tão fraca dos solavancos da vida que permanece inaudível até para si mesmo. Ao invés de um grito de socorro apenas sussurros, promovendo um vácuo no ambiente que se torna impossível de preencher por absoluta falta de força, física – em primeiro lugar – e mental por consequência. As horas se arrastam no tic-tac do relógio antigo contribuindo para se idealizar uma rotina de esperança no alerta mudo da janela que fala sem palavras.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...