Acordei animada, acredito que embalada por muitos sonhos bons que me deixaram de certo modo pairando fora da realidade, fora de contexto, fora da vida que por aqui não anda, mas corre no modo “fast”, passando como nuvem ligeira depois da tempestade e muito condescendente com a paisagem e o jogo de luz e sombra que busca sempre pintar o dia. Percebi que era chegada a hora de juntar o que eu havia espalhado pela casa sem saber direito onde guardar e ao começar a tarefa me dei conta que não estavam bagunçando nem atrapalhando o espaço, uma vez que não pertenciam ao mundo físico.
Surpresa e atrapalhada, me enchei de coragem e paciência e comecei a rodar pelos cômodos e fui encontrando em cada um deles algumas considerações soltas.
No quarto de dormir encontrei na prateleira uma pilha de livros dispostos por prioridade para serem apanhados na leitura, mas visivelmente amarelados pelo tempo e com um pó brilhante e fino a lhe conceder certa aura de mistério disposta inteligentemente pelo tempo para, talvez, me chamar à atenção. Corri e refiz o meu descaso colocando aleatoriamente nova arrumação, sem prioridade, para que o acaso me pegue de surpresa e me provoque.
A sala me surpreendeu mais ainda porque ali enxerguei nitidamente risos antigos estacionados pelos cantos, cantorias e música alegre dentro de caixas de coleção, passos de dança marcados no tapete, luz do sol brincando de se esconder e a luz da lua prateando os móveis que abrigavam as alegorias que estavam esquecidas, mas que aguardavam ansiosas o toque de mágica do correr do tempo em outro ritmo para se encherem de vida e som.
A cozinha se encontrava repleta de sabores e aromas enfileirados aguardando a sua vez de se libertarem na produção de manjares caprichados que se estendessem aquela mesa de jantar.
Por fim, a vista para o mar
foi o recanto da casa que mais me surpreendeu nesta intenção de trazer de volta
as emoções da morada porque ali encontrei sorriso aberto e olhos arregalados que
se surpreendem todo dia com o nascer do sol, com o casamento do dia com a noite
e com a surpresa diária dos milagres da natureza que se perfilam sem jamais
repetirem seu encanto.