terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Final de um ano



Não dá mais para correr porque ele nos pegou em primeira mão. O final do ano nos alcança e na partida para o término não deixamos de olhar para trás, para ver retrospectivas, para fazer um balanço geral, para colocar as brigas no reformatório, para olhar no entorno do mundo - e também mais perto - tendo a certeza de que muito mal foi feito, a vida perdeu certo sentido de leveza e graça porque neste estancada geral e visão do balanço, a conta não fecha.

Melhor sentar um pouco, logo ali na virada final para ver o que estamos trazendo dentro do alforje. Este umbral do Ano Velho para o Ano Novo pode ter algum ponto sem nó, pode haver também uma magia secreta escondida junto à nossa bagagem de boas intenções. Vai que alguns ou todos os males feitos do mundo no ano passado acharam por bem pegar uma carona em nossas costas, se enfiaram na trama da mochila, se disfarçaram como do bem dentro de nossa bagagem mais pesada. A intuição falou mais alto e assim, antes de avançar no novo caminho, deixamos estes equipamentos mais doídos para trás.

Então fica decidido que levaremos apenas a bagagem de mão e que assim mais leves, sem a curva da coluna vertebral vergada de tanta desgraceira que tivemos que transportar, terá a chance de visualizar um ano que vem melhor, mais leve. A conferência do conteúdo da pequena maleta que na corrida e de última hora lembramos de enjambrar vai surpreendendo à medida que se faz a conferência dos itens. A surpresa se contabilizou porque dali nada havia de utilidade, nada de bens materiais, objetos úteis e inúteis, coleções supérfluas, bloco rabiscado, livro de cabeceira, porta retrato, fita ou laço, um grampo, uma carteira, um óculo, uma chave, um dinheiro, nada.

O que fluiu de dentro desta bolsa simplória, arranjada às pressas porque o trem do tempo não aguarda, foi, em primeiro lugar, um perfume não identificado no dia a dia, uma essência que ao ser inspirada encheu os pulmões de uma brisa que imediatamente oxigenou todas as fibras do cérebro, causando assim uma reação em cascata. A lida continuou surpreendendo porque o próximo embrulho tinha uma bela embalagem que de certo modo não podia ser vista a olho nu, porque eram palavras que se desenhavam no ar formando frases de solidariedade, de amor, de incentivo, de ajuda, de socorro, de alegria e de esperança. E deste jeito o alforje se projeta como sendo um saco de sentimentos, de desejos bons, de possibilidades de se fazer outro caminho, individual e coletivo para este Novo Ano que começa.

sábado, 14 de dezembro de 2019

Vou às compras



A ventania litorânea anda me empurrando para onde não quero ir nem me pagando, com rajadas tão extremadas que atrapalham as minhas escolhas e assim fico eu em círculos tentando minimizar os estragos no meu íntimo, é claro. A opção que se apresenta em dias assim reverte para tudo o que não é relevante, como andar por ai a caça do que não é necessário para preencher um espaço que existe ficticiamente na cabeça de uns e outros, mas não na minha.  Corredor nenhum irá me atrair, nem mesmo as magias propagadas em alto e bom som por todos os cantos. Resisto ao impulso de me unir à manada que perambula pelas ruas em blocos e decido que farei um percurso de compras dentro do circuito que me abriga das loucuras da época e da faina do tempo que parece andar um pouco furioso. A natureza também não anda a fim de mim e decide não me receber em seus braços, nem o sol, nem a praia nem o canto de grama de que me apoderei. Assim me lanço às compras de última hora.

Inicio na prateleira dos livros fazendo um recall nos títulos e ao organizar o organizado percebo que alguns títulos me soam como novos ou de certa forma, deslidos. Encantada com a aquisição, capricho na retirada do pó e de algumas traças e os levo para minha cabeceira. Pronto: a parte intelectual da loucura de obter já está estabelecida e a curiosidade de perpassar letra por letra de histórias que não lembro mais me deixa bem feliz.

O mesmo acontece ao abrir de par em par meu armário que exibe vestuário de primavera/verão e com surpresa ao examinar cabide por cabide dou-me conta de trajes que estavam fora da minha agenda diária. Fiquei pensando o motivo e percebi que a idade anda me deixando mais esperta para o figurino e assim, fui me esquecendo de roupas com elástico, golas altas, jaquetas apertadas, calças cigarrete e cintos torturantes. Tratei de dar um belo destino ao rol de peças que destoavam do meu ânimo e passei para frente – no capricho – meus vestidos longos, meus shorts customizados, minhas blusas fartas complementando o meu novo look com as pashminas de todas as cores que resistirão bravamente aos ventinhos de verão por aqui. Mais uma compra realizada com sucesso, assopra meu senso de organização.

Assim com muita atenção fui analisando o entorno para ver se havia algo que precisasse ser renovado dentro da minha cabeça. Parece mentira, mas me dei conta que as composições que estabeleci no organograma da casa estavam funcionando muito bem e me aguardando para a rotina do dia e o descanso da noite. Encerrei minhas compras imaginarias. Até o próximo Natal!

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...