Quando arrumo a casa costumo dar uma geral na
vida porque é certo que em algum canto vou encontrar uma história, um fato ou
determinada situação que surge enredada em letras no papel, objetos antigos e
esquecidos formando uma caixa de surpresas a cada encontro meu que, dizendo bem
a verdade é frequente. Parece que eu tenho em mim uma faina contumaz em revirar
o arrumado. Tudo está no seu lugar, porém, tenho muita curiosidade em descobrir
o que se passa por detrás da traquitana embalada, das folhas dos livros, das
caixas - grandes e pequenas - que adornam o lugar. Amo caixas.
O enredo vai se formando à medida que o som
de clássicos vai de um tom a outro, parecendo ritmar a minha tarefa de
destrinchar o que aparece e, mais ainda, o que está oculto, esquecido ou
camuflado. Vou me deparando com tantas folhas amareladas pelo tempo e escritas
em um tempo que parece que nem existiu que fico em duvida do destino dar a tal alfarrábio.
Às vezes, fui eu quem escreveu, em outras, escreveram para mim e outras tantas
não sei o autor. Pararam ali em algum momento que o assunto me foi relevante.
Neste dia em que a paciência se aboletou por
aqui parecendo não querer dar o fora antes que eu fuçasse com determinação o
meu lado avesso, pressenti que havia sido cooptada a buscar – além dos recantos
arranjados – as surpresas da arrumação. Não demorou muito para encontrar uma
caixa antiga, cheia de bilhetes rápidos em papel colorido e de várias texturas
com a minha escrita em que havia uma variação muito forte na letra corrida e
com composição aleatória.
Fui abrindo devagar cada bilhete e surgiu um
caleidoscópio de múltiplas decepções que me acometeram nos últimos anos. Eles
não estavam amarelados pelo tempo, não continham traças, rescindia certo
perfume de papel novo e delicado e a dobradura era recente. Todos iniciavam com
aspas e descrevia determinado abatimento ao me dar conta da indisponibilidade
de coadjuvantes de um bom pedaço da minha vida que eu acabava de deixar para
trás.