sábado, 9 de novembro de 2019

Entre aspas



Quando arrumo a casa costumo dar uma geral na vida porque é certo que em algum canto vou encontrar uma história, um fato ou determinada situação que surge enredada em letras no papel, objetos antigos e esquecidos formando uma caixa de surpresas a cada encontro meu que, dizendo bem a verdade é frequente. Parece que eu tenho em mim uma faina contumaz em revirar o arrumado. Tudo está no seu lugar, porém, tenho muita curiosidade em descobrir o que se passa por detrás da traquitana embalada, das folhas dos livros, das caixas - grandes e pequenas - que adornam o lugar. Amo caixas.

O enredo vai se formando à medida que o som de clássicos vai de um tom a outro, parecendo ritmar a minha tarefa de destrinchar o que aparece e, mais ainda, o que está oculto, esquecido ou camuflado. Vou me deparando com tantas folhas amareladas pelo tempo e escritas em um tempo que parece que nem existiu que fico em duvida do destino dar a tal alfarrábio. Às vezes, fui eu quem escreveu, em outras, escreveram para mim e outras tantas não sei o autor. Pararam ali em algum momento que o assunto me foi relevante.

Neste dia em que a paciência se aboletou por aqui parecendo não querer dar o fora antes que eu fuçasse com determinação o meu lado avesso, pressenti que havia sido cooptada a buscar – além dos recantos arranjados – as surpresas da arrumação. Não demorou muito para encontrar uma caixa antiga, cheia de bilhetes rápidos em papel colorido e de várias texturas com a minha escrita em que havia uma variação muito forte na letra corrida e com composição aleatória.

Fui abrindo devagar cada bilhete e surgiu um caleidoscópio de múltiplas decepções que me acometeram nos últimos anos. Eles não estavam amarelados pelo tempo, não continham traças, rescindia certo perfume de papel novo e delicado e a dobradura era recente. Todos iniciavam com aspas e descrevia determinado abatimento ao me dar conta da indisponibilidade de coadjuvantes de um bom pedaço da minha vida que eu acabava de deixar para trás.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Quem diria



Já faz um tempo que minhas passadas pela realidade se revezam por um caminho aleatório procurando desvios que não toldem os ares em demasia e que me aponte com leveza os fatos, ocorrências e o que mais se atravessar em minha frente. Não quero me dar ao trabalho de torcer o nariz para o descaso de qualquer um e então marcho com meus pés alados por entre tudo o que percebo em âmbito geral. Ando determinada a enxergar tudo por um canudo.

A lente diminuta a que me permito fazer observações deixa de fora o excesso da grande maioria de flechadas com ponta envenenada que circula por ai sem destino, apenas aguardando um alvo desavisado. Assim é o modo escolhido para enfrentar as ocasiões em que meu coração se aperta muito e me dou conta que se tudo chegou até ali deste jeito arrevesado, talvez pouco ou nada se possa fazer. Dizem as – más – línguas que nunca é tarde para passar uma borracha na parte podre que se apresenta e seguir com a cara à banda na tentativa de redimir-se em seguida. Pelo sim pelo não prefiro a discrição e a parcimônia ao organizar fortes aldravas frente à desdita.

Porém, não posso deixar de observar com discreta euforia o aumento da temperatura da minha alma com a possibilidade de desanimar o destrato que vem de fora para me abater, se fortalecendo de tal forma que acabo me sentindo um ser praticamente transparente e inócuo frente ao inimigo rasteiro que - como urubu em carniça - fica assombrando a mente com assuntos do pior calibre. Quem diria! O patamar do desprezo curador estava logo ali, depois daquela curva do destino.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Ao fim e ao cabo



Acabei soltando o cabo da sombrinha porque, na hora, além de sua serventia ser imprestável naquele momento, imaginei que talvez fosse interessante se eu assim o fizesse com todo meu entorno que aborrece. Seria algo como estas ventanias litorâneas e chuvaradas intermitentes se evadissem de dentro de mim, porque do jeito que a coisa vai o exterior está se adonando da alma  introvertida que, sem forças, se deixa levar com a maré alta pelos recônditos da maré cinzenta, fugindo do alaranjando nascer do sol como o Diabo foge da cruz, parecendo até que é de propósito igualar o espirito ao tempo.

Aproveito o frenesi da natureza e me lanço ao meu próprio e antes mesmo de listar as intempéries me confundo muito com o que é e o que parece ser. Por ali desejo deslizar como se eu fosse uma sombra, ou, talvez até seja, mas não tenha percebido. Na procura de identificar meu status no mundo tive a inusitada surpresa de perceber que de certo modo vago por aí como se eu fosse outra, ou pior, como se desaparecida estivesse. Acredito que vou aceitar imediatamente esta condição porque, obviamente, dá menos trabalho viver.

Às favas estar presa em causas perdidas e embrulhadas com papel de seda por quem as quer ladeadas pelo esquecimento, passando assim o que era de influir para o lado de somenos importância. No atropelo de me socorrer de custas arrastadas e, assertivamente exonera-las de mim, me vejo com certo pudor, considerando que não se deve reclamar. Nem de nada nem de tudo.

Acredito que ficaria de bom tom utilizar uma ferramenta que muito me apraz, porém, nunca consegui utilizá-la com a prontidão exigida: a indiferença. Que notável atitude esta ao meu alcance imediato e que fere como ponta de faca o algoz sem derramar uma gota de sangue, e sem, pasme, que o dito perceba. Com muita facilidade exorto a mim mesma do palco com orgulho, vestindo aquela toga nova em folha que somente a mim pertence e deixo para trás quem de fato nada mais acrescenta. Concluir esta etapa com galhardia se assemelha a este tempo de ondas altas, aguaceiro e vento intermitente. Aleluia.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...